29.5.07

do avesso: she e ela

nunca imaginara que na mesa do café, na leitura do jornal, no indiferenciado daqueles dezeito-anos metidos a artista que a rodeavam diariamente fosse encontrar. mas encontrou.
pelo menos assim ela acredita.

o sono era como fios de marionete que puxavam suas pálpebras e abriam suas mandíbulas para o bocejo enquanto lia. Renan Calheiros, gothic lolita, Palma de Ouro, arquibancada, clássico fraco, Casa Civil.

a fumaça de cigarro da mesa à frente rastejava adentrando suas narinas alérgicas, fazendo cócegas, provocando, com todo aquele joguinho sedutor. na mesa frente, de costas a ela, fumavam.

posso pegar essa cadeira? sim. agora era outro: posso pegar? sim.

e ficou ela numa mesa para quatro apenas com a cadeira para a bolsa ao lado.
a mesa para quatro da frente, a dos dois fumantes, agora estava com 7 - fumantes e não -, um lap-top, coca-cola, cinzeiro e she. e she. eram oito com she, então. oito forasteiros, quem sabe; mais velhos ou pós-graduantos, talvez. não faziam parte daquele indiferenciado de dezoito-anos.

o sono parecia ir embora quando ela olhava para os lados e fugia das letras miúdas. duas vezes percebeu que os olhos de she também fugiam e chegavam nos seus.

ela e she se olhavam.

e foi assim. três, quatro, seis vezes.

era a primeira vez que aqueles olhos a ela tocavam. não aqueles exatos olhos de she, mas aqueles olhos como os de she que faziam ela sentir-se feito parafina sólida. pensou em todas as possibilidades possíveis: cabelo amassado, nó do cachecol torto, blusa do avesso. mas não achou nada que com palavras pudesse ser expresso.

ela e she se olhavam.

ela paralisaria o mundo - menos she. assim, as duas, sozinhas, coloridas no preto-e-branco teriam um pretexto para trocarem códigos.

ela levantou-se. vestiu o casaco, arrumou o cachecol, ajeitou a calça.

she talvez fosse a mulher de sua vida. assim pensou.

mas ela foi embora. foi embora e estava frio. e imaginou como seria.

ela e she se olharam. e talvez tudo fosse do avesso. e fim.

19.5.07

você, as suas litras, o mokaccino com filósofos...

os dias de chuva não são difíceis de se guardar. deve ser porque não é todo dia dia de chuva e porque é quase todo dia dia de sol, inclusive dias de chuva.

não sei se ainda lembro de você e de suas listras verdes e pretas porque chovia no dia ou porque eu não resisto a listras verdes e pretas. você e eu com os mesmos olhos na fila do café. café, chocolate e açúcar.

pelos corredores eu tinha lido Foucault, Deleuze e Derrida. eu poderia te perguntar sobre a morte da filosofia (você ia gastar horas e horas de saliva, eu não sabia merda nenhuma de Foucault, Deleuze e Derrida). mas resolvi ir embora, com o pensamento de que nunca dá certo.


minutos idos, café no estômago, veio o vento, veio a chuva no asfalto, veio a chuva nas nos carros e na janela da biblioteca. três minutos a menos, eu ainda estaria perto da fila do café ou no corredor de Foucault, Deleuze e Derrida com a chuva que me prendia numa prisão com você e suas listras junto. aí tudo seria diferente. poderia rolar um croissant de queijo, talvez, quem sabe. todavia, todavia!

mas, sabe, é que eu tinha prova.

15.5.07

carajos

esses dias em que celular morre, em que iPod morre são um caralho. não que caralho seja ruim, não que caralho seja bom. mas um caralho é ruim e do caralho é bom.

ai, caralho.

14.5.07

frei galvão

a Nicole comia um milho. o Gregório lambia uma colher de brigadeiro. o Guilherme queria camarões fritos e papel-toalha encharcado. eu chupava treze drops Halls, ardidinhos. um montinho de papéis da bala sobre a mesa. comecei neles a escrever pequenos poemas -- poemas-pílula, poemas-biribinha, poemas-serotonina, poemas-de-amor.

acho que ninguém gostaria de ingerir esses pequeninos poemas, a não ser que fossem com leite gelado. (ou, melhor, com limonada suíça! )

hoje, na hora em que você chegou por trás, com todo o seu perfume barato, eu mastigava um Trident de morango com papel. por mais que todo mundo use o seu perfume, eu sabia que era você. sua mão não tava molhada nem mole, como naquele outro dia. a gente se falou, o doce saiu, o chiclete ficou azul e eu cuspi na privada.

acho que a pílula deve ser feita com tinha de papel de Trident.

11.5.07

sobre saudades e tias do pastel

ontem fui a uma padaria próxima ao meu ex-colégio. vi um monte de meninos e meninas descendo a rua com seus uniformes. me perguntei por que havia dois tipos de uniforme - eu tinha esquecido que o do ensino médio era diferente do das crianças (e nem faz tanto tempo assim que me formei!)!

vi também a portuguesa dona da padaria gritando: "falta arroz". ela até hoje costuma gritar do lado do buffet em que, quando eu precisava ficar à tarde na escola, me servia de carne (gordurosa, no caso), salada e molho vinagrete. lembro agora que me sentava numa mesa de onde dava pra ver a cidade lá embaixo pela janela.

entrei no carro com pães e peito de peru enquanto via mais crianças descendo a rua de uniforme. foi estranho - eu fui elas ontem e, se nesse ontem tivesse visto um rapaz que dirige entrando sozinho num carro com pães e peito de peru na mão, pensaria: "que jovem senhor responsável e trabalhador!".

mas eu não sou, pelo menos ainda, um "jovem senhor responsável e trabalhador"! (não que isso não seja uma meta a ser alcançada, mas enfim.)

minhas reflexões continuaram no trajeto de volta pra casa. enquanto dirigia, vi mais pré-adolescentes de uniforme em frente a uma barraca de pastel, com bisnagas de catchup na mão. não era a mesma tia do pastel da minha época, mas era uma tia do pastel! cheguei à conclusão de que toda e qualquer escola / cursinho / faculdade / instituição de ensino tem sua tia do pastel (que não vende só pastel, mas porcarias em geral)! na Univesidade de São Paulo há tia(s) do pastel!

eu ainda continuo preferindo almoçar carne (mesmo que gordurosa, fazer o quê?!), salada e molho vinagrete, mas às vezes é gostoso comer na tia do pastel. terça, por exemplo, comi um sanduíche chamado "O Campeão", cheio de coisas suspeitas e gostosas. é saboroso, substancial e tem um nome bem sugestivo!

- tia do pastel: nome genérico dado a vendedores de pastel, batata frita, bala 7 Belo, Dadinho, sorvete, yakissoba, hot dog, tapioca, churrasquinho de gato, porcarias em geral.

- porcarias em geral: tudo aquilo que sua mãe o proibia de comer na infância ou (quase) tudo aquilo que você, pessoa fresca, tem nojo de comer na rua (espero que não tenha nojo de bala 7 Belo!).


- pessoa fresca: aquela pessoa que eu invejo por ser correta e não comer trash food, aquele tipo de comida que eu adoro.

- trash food: porcarias em geral que eu adoro, geralmente comercializadas por tias do pastel, principalmente próximo a instituições de ensino.

3.5.07

última sexta-feira, festa no céu

"and I am a writer, writer of fictions
I am the heart that you call home
and I've written pages upon pages
trying to rid you from my bones"

(the engine driver - the Decemberists)

jornal abandonado no portão - acabo de ouvir impacto de papel e plástico na pedra fria, num frio desses que rachou meu lábio e fez minha rinite piorar. daqueles que te faz tirar a jaqueta do armário, aquela cara que você nunca usa e que tá há um ano esquecida no cabide. companhia árcaros e poeira. é bom pra fazer espirrar.

essa frente fria veio junto com minha vontade de escrever. ou fiquei com vontade de escrever pela frente fria? não sei, mas foi por causa dela que me embrenhei naquela praça descoberta e de pisos em que a grama invade e retoma seu lugar. me acompanhavam o céu azul escuro e postes de luz amadores. eu caminhava com as mãos nos bolsos do moleton e fugia do mundo dos outros pelos fones de ouvido. Decemberists. isso, Decemberists.
and if you don't love me let me go. olhava pro céu escuro, claro pra noite, e tinha fumaça. nuvem, fumaça daqui de baixo, fumaça de avião. os aviões furavam as nuvens, os dois que vi passar, com suas luzinhas piscantes. passavam por uma linha imaginária, sumiam, reapareciam. eu olhava pra cima, caminhava pra trás. aquilo tudo parecia uma balada, com música frenética, fumaça de gelo, gelo na vodka. eu, debaixo, de só observar, ser um outsider de toda aquela festa, em minha balada-fone-de-ouvido.

desviei meus olhos pro lado dos bairros. não sei se era Alto de Pinheiros, não sei se era Lapa, não sei o que era lá. mas as luzes dos prédios me davam um apertozinho, daqueles que vêm quando quero estar em tudo. e eu olhava à minha volta todo aquele gramado e aqueles bancos vazios. me senti em um enquadramento aéreo e a câmera rodando - um fim de filme, um fim de caso. não sei bem o script. a música ia acabar; coloquei-a de novo, voltei ao mundo real. caminhei pelo escuro, sob as árvores. pisava na lama e na chuva de mais cedo.