nunca imaginara que na mesa do café, na leitura do jornal, no indiferenciado daqueles dezeito-anos metidos a artista que a rodeavam diariamente fosse encontrar. mas encontrou.
o sono era como fios de marionete que puxavam suas pálpebras e abriam suas mandíbulas para o bocejo enquanto lia. Renan Calheiros, gothic lolita, Palma de Ouro, arquibancada, clássico fraco, Casa Civil.
a fumaça de cigarro da mesa à frente rastejava adentrando suas narinas alérgicas, fazendo cócegas, provocando, com todo aquele joguinho sedutor. na mesa frente, de costas a ela, fumavam.
posso pegar essa cadeira? sim. agora era outro: posso pegar? sim.
e ficou ela numa mesa para quatro apenas com a cadeira para a bolsa ao lado.
o sono parecia ir embora quando ela olhava para os lados e fugia das letras miúdas. duas vezes percebeu que os olhos de she também fugiam e chegavam nos seus.
ela e she se olhavam.
e foi assim. três, quatro, seis vezes.
era a primeira vez que aqueles olhos a ela tocavam. não aqueles exatos olhos de she, mas aqueles olhos como os de she que faziam ela sentir-se feito parafina sólida. pensou em todas as possibilidades possíveis: cabelo amassado, nó do cachecol torto, blusa do avesso. mas não achou nada que com palavras pudesse ser expresso.
ela e she se olhavam.
ela paralisaria o mundo - menos she. assim, as duas, sozinhas, coloridas no preto-e-branco teriam um pretexto para trocarem códigos.
ela levantou-se. vestiu o casaco, arrumou o cachecol, ajeitou a calça.
she talvez fosse a mulher de sua vida. assim pensou.
mas ela foi embora. foi embora e estava frio. e imaginou como seria.
ela e she se olharam. e talvez tudo fosse do avesso. e fim.