24.7.07

não entendi bem as primeiras vezes em que você se postou ao meu lado, sem balançar direito o corpo como todo mundo. não que eu achasse ruim você ser diferente de todo mundo, era bom, era muito bom, mas você lá, de pé, ao meu lado, sem se portar como todos sob efeito daquela música e de outros artifícios (tudo em diferentes graus), se destacava. pensei em falar com a sua pessoa, falar oi, tudo bem, gostei porque você se veste de maneira quase discreta e tem um rosto simpático; e, nos momentos em que eu tinha esse pensamento, te olhava, mas você tinha os olhos para cima, para o lado, para o outro lado, nunca em minha direção, eu não entendia nada. mas, mesmo assim, você, ao meu lado, balançado às vezes o corpo, não como os outros, mas dando umas ba-lan-ça-di-nhas, me deixava sem conseguir olhar por mais de cinco segundos para outro lado. eu saía desse microcosmo, ia comprar a minha bebida, via mil pessoas diferentes de você e voltava àquele canto que não era canto, era um buraco, ou quase isso. nós a três metros de distância que inevitavelmente diminuíam a alguns poucos centímetros (talvez dez) por iniciativa sua. quando a distância chegou a no máximo poucos nanômetros, a noite já se findava. melhor medir em angstron? e foi aí que tudo, depois de eu fechar os olhos, tudo se passou como sob efeito daquela velha tecla ff de videocassete: você sentir gosto de vodca, eu de melancia, eu sentir meio sua pele roçar no rosto, o cheiro de sabão em pó de sua roupa que eu não conseguia identificar se era vermelha ou cor de laranja, o seu perfume que era gostoso e de fim de noite e o shampoo que você usou no banho antes de ir pra lá no meio de todo aqueles corpos em ebulição. você olhou o relógio e disse que precisava ir embora, pegar ônibus na paulista, voltar. eu te deixo em casa, onde você mora, zona oeste, vila leopoldina, pompéia, pinheiros, te deixo. mas a gente acabou não indo pra seja lá onde você mora, a gente achou melhor entrar no carro e seguir as nuvens, porque a manhã de sábado era branca, muito branca, de céu branco, quase violeta-cabelo-de-velha, cheio de nuvens meio mutiladas, mutiladas-guerra-do-vietnã. e a gente ouviu no rádio do carro interpol, billie holliday, dylan, coldplay, radiohead, e você começou a chorar de repente, você disse que não podia escutar knockin' on heaven's door que chorava, e chorava muito; eu disse que essa música já tinha tocado tanto que nem me tocava tanto, e você não deu bola, continuou chorando e falando que a música lembrava seu pai que morreu ano passado, de quê, de câncer, de câncer e brigavam demais. eu quis te deixar feliz e falei que ia te levar pro campo, pro singelo campo, pra onde as vaquinhas têm sininhos e onde há bichinhos bonitinhos passeando. a gente passou a cento-e-vinte por hora na ponte sobre o pinheiros; você, então, me perguntou se eu te buscaria se você se jogasse no rio e fosse flutuando em todo ele até interlagos, eu não lembro o que respondi, mas você deve ter gostado, porque o sol ficou um pouco mais dourado e deixou seus olhos meio brilhantes e mostrou sua pele branca-corada junto com o sorriso que você abriu; eu tentava contar seus dentes, depois seus cílios, seus cílios que ficaram mais evidentes pelas água toda que escorreu, feito mina, um, dois, três, perdi a conta, cento-e-trinta, cento-e-quarenta, cento-e-sessenta-e-um, por hora, o céu tava branco de novo, nós rimos e tudo ficou mais branco, agora tudo mesmo, tudo de uma vez.

20.7.07

meu di



um frio desgraçado, mas eu descalço, de bermuda vermelha e camiseta branca no sofá da sala. meu avô do lado.

ele não tem hora para aparecer em casa, vem como quem chega do nada. mas eu sempre soube que ele vem da rua josé, paralela à minha.

pergunto se quer café, ele grita que não quer nada. ele sempre grita; seu pai era muito bruto, justifica.

passo geléia numa fatia de pão torrado que sobrou do meu lanche; divido meu café em dois: o meu com leite, o dele puro, adoçado. ele gosta de tudo.

a televisão da sala, não sei por que, ligada no datena. meus olhos alternam a tv, a folha e meu avô. minhas mãos: uma com a caneca do café com leite, a outra no lóbulo da orelha dele, fazendo carinho, uma carícia meio bruta, uma carícia meio avô-e-neto.

com muito sotaque, ele fala que quer ir a poços de calda fazer turismo, fala de sua fisioterapia, fala que vai ao japão, pela última vez na vida, este ano. pergunto por quê. ele responde "porque é a última vez". ainda fala de kanji, de como se lê o japonês e da cidade nipônica construída por seu pai.

hoje, no sofá, de bermuda e camiseta branca, com a caneca de café na mão, olhando meu avô, a tv e a folha, senti vontade de ser mais japonês, sabe-se lá o que isso quer dizer. e antes que seja tarde.

18.7.07

washington luís e a morte do leiteiro

quando abri a porta, o céu estava branco e duas, três, sete, sei-lá gotas caíram no pescoço e escorreram, na cabeça e escorreram, escorreram no meio de cabelos grossos e pretos feito lágrima, feito lava, feito formiguinha bossa-nova. eu olhei à minha volta, um ar de noite e de água, parecia a serra do mar. o prédio, lá no alto, tava molhado, todo molhado, igual o chão onde eu pisava; o prédio tinha varizes e a água o deixava bem feio. já o meu chão ficava mais bonito molhado, lustroso, espelhado, meus pés em meias e chinelos pisavam em um chão de água, eu andava sobre o mar. não dormir é uma opção, um fardo, uma obrigação, não sei; é muito cômodo, você faz o que quer, não te olham, não te escutam; mas você fica só, só-sozinho, andando em chão de água feito jesus cristo e olhando os prédios. quando esperei amanhecer mais, amanhecer só mais um pouquinho, eu vi na televisão, tudo rápido, aconteceu há poucos minutos e fizeram aquela edição; um acidente. edit, edit, edit. um dia farei isso, meu deus? não sei. é cedo para saber. cedo, cedo de céu branco. amanheceu mais e eu bebi meu café em copo americano, feito café de boteco açucarado, e no jornal vi a fotografia daqueles tênis nike, sob a lona, deitados no asfalto. era triste. era um tênis que poderia ter sido e não foi.

16.7.07

A um outro Sigmundo, com afeto

Está frio, meus olhos fechando, meu estômago dói. Não deveria ter ficado acordado escrevendo, escrevendo. Se passam das quatro e todo o café só me faz até agora receber uma porrada constante no estômago.

Você perguntaria por que diabos não vou dormir e continuo a escrever. Primeiro porque não é mais nenhuma merda de texto sobre linguagem, é mais um texto sobre sonhos. E, você sabe, quanto mais o tempo corre, mais o sonho vai embora junto, meio acoplado com ele, até que no dia seguinte você nem lembra de nada. Ele volta de vez em quando, você pergunta: "já passei pro isso antes?", e passou, passou mas deitado na cama de olhos fechados. Você pode ter sido herói de cueca sob lençóis, você pode ter sido vítima de meias e camiseta, rolando na cama e fugindo dos espectros. Só que você quase não lembra.

Assim que acordei, com aquelas borboletas – ou qualquer outra coisa – fazendo cócegas dentro de mim – justo no lugar onde recebo a porrada constante do café – já tinha esquecido boa parte de tudo aquilo que fiz enquanto deitado. Acho que estava de calça moletom. É, fiz tudo aquilo de moletom e camiseta branca. Mas quando acordei já estava tudo meio sem forma, tudo meio borrado, as tintas molhadas e misturadas; só que eu podia ver algumas nuances, meio que um impressionismo mal feito.

Tudo que estou estudando esse ano, esse negócio de deslocamento, condensação, sobredeterminação do Freud me veio pra cabeça assim que abri os olhos de manhã. Essa coisa louca de sonho, que, como dizem, Freud explica. Só que acho que nada explica você ficar pedindo o meu celular. Até veio o frio na barriga. Foi bem real, mas não sei se senti, não sei se meus órgãos realmente mudaram de lugar, mas foi muito real, e eu fiquei com frio na barriga porque eu não sabia se te dava o celular ou o fixo.

Lembrei, assim como Freud explica, você queria me explicar alguma coisa que era bem melhor de ser explicada por telefone, uma coisa de voz, de diálogo veloz, nada de comunicação via tinta, papel, teclas, pingos nos is.

E foi estranho, lembro do seu amigo que tenta escrever de forma bizarra e depois me vi com a Paula sentado na calçada da Paulista. Ela estava com uma daquelas roupas de mulher que parece pijama – ou era realmente um pijama, de camiseta larga, meio camisola, e uma calça de pano leve, tipo aquelas que minha irmã usa de vez em quando para dormir. Acho que era pijama mesmo, porque ela pediu na padaria um café com leite e um pão na chapa. A Paula saiu da padaria – padaria pequena, espaçosa, retangular – com um copo descartável tampado na mão, o pão na chapa na outra e sentou-se na calçada. Na guia da calçada. Não lembro agora bem se eu estava com ela nessa hora do café com pão ou se eu era como uma câmera, que filmava tudo de longe. Sei que aquele pão parecia gostoso, crocante, meio úmido de manteiga, soltando milhares de migalhas na roupa e no asfalto. E olha que eu nem gosto de pão com manteiga.

A Paulista dessa padaria era uma Paulista estranha. Era meio que uma Paulista de Registro, meio que um bairro cinzento e de pessoas em forma de, não sei, nuvem. Não lembro das pessoas em volta, mas era a Avenida Paulista.

Tomando banho nesta manhã, correndo, eu imaginava se tinha padaria em plena Avenida Paulista. E agora, enquanto te escrevo, imagino como a Paula, sentada naquela guia da calçada não foi atropelada. Talvez até tenha sido, eu é que acordei antes.

Espero que não.

Sonhar é bom, mas dá tristeza depois. Dá frustração. Um meio aquilo que poderia ter sido e não foi. Mas pode ser, né, pode vir a ser, sempre tem uma esperança. Agora me deu vontade de cantar.

Vou dormir. Boa noite.

11.7.07

arrivederci ou banda derci gonçalves nas paredes

era estranho. eu bebendo suco enlatado de maçã, à mesa de um bar, numa daquelas salpicadas pela calçada. mas a questão é esta: eu bebia suco de maçã – suco de maçã – e a garota chegou. melhor chamar de meninota, ou garotinha, sei lá, porque ela fingiu, assim, com os dedos das mãos – se é que aquelas coisas menores que baby carrots podem ser assim denominadas – , que tinha dez anos. se ela fosse maneta, ela diria a verdade; talvez deus a castigue e a faça parar de mentir, deixando-a assim, sem uma mão. não, deus me livre. ou a livre, no caso. ela vendia balas; a mãe era a patroa.

o homem, lá mais pra cima, mais pra direita, meio perto do boteco da esquina da luís coelho, vestido desconfortalmente, uma barriga enorme e um cão de classe média do lado. ele tá me seguindo; eu tava numa festa na vila olímpia e vim andando até aqui, e o cachorro não pára de me seguir... ele faz tudo o que eu mando. tá. mais acima, virando a esquina, negros grandes do tipo a x a, meio bem vestidos, meio quase estrangeiros, regidos por uma mulher a la halle berry cantando hinos em língua irreconhecível; subiram, viraram, passaram ao lado da estação do metrô e atravessaram a avenida.

horas e horas se passaram e eu estava no prédio de idosos judeus, quadras e quadras abaixo, dependendo do ponto de vista, deitado no escuro. e eu falava com ele e com ela, e eu não via ele nem ela, mas foi assim.

7.7.07

os dias tic-tac

liguei para ele era quase meia-noite; esperei três toques, como recomendam nossos pais, de acordo com a etiqueta burguesa, e mais um, para fazer jus ao tal do jeitinho brasileiro. ele atendeu, sem voz de sono nem nada, e ainda riu com um "você sempre ligando em horários inoportunos". a gente conversou; ele contou que vai a porto alegre se os aeroportos permitirem. combinamos de nos ver depois do feriado e ele confessou que estava quase dormindo quando liguei.

sentei-me à mesa da sala. um silêncio absoluto, quase só meu, quase imoral, quase constrangedor, dos que sinto tanta falta nos dias de tanto trabalho. de forma paradoxal, liguei o som; botei o cd novo, o ao vivo, o recém-comprado no neto discos, promoção, quinze reais. fiz um chá verde, sem ritual nem nada, de saquinho, dois minutos no microondas e uma caneca preta, esverdeda por dentro, do pão de açúcar. li, então, algo sobre filosofia, fiz anotações, ouvi o cd, desliguei o cd, tomei o chá, ouvi o tic-tac-tic-tac do relógio da sala. tic. tac.

tic-tac-tic-tac são os dias, muito mais do que chá, filosofia, cd, telefone. tudo é cápsula, paraíso artificial, morfina que tenta dissipar tic-tac-tic-tac, dias meio ocos e cinzentos e frios e duros e pesados e que lembram muros de concreto com blocos e cimento à mostra, sem acabamento, com cheiro de construção, sem gosto de tic-tac.

3.7.07

aziz ab’saber

olhando agora, por fora, por cima, percebo como fui idiota naquele dia quando visitei outros territórios. no mesmo dia eu já tive a idéia de escrever um texto do gênero “como fui idiota”, mas precisei de mais algum tempo para ter a certeza.

deixando um pouco de lado excessos que aumentam a carga emocional, não, não fui uma besta quadrada extremada e sim, eu repetiria o que fiz, mas todo aquele deslumbramento ao me perder naquele prédio esquemático – daqueles esquemas cheios de quadros, flechas, ilustrações –, o prédio mais bonito de todos, me deixou assim, bobo. eu ficava vendo aqueles garotos que subiam a rampa, ou os que esperavam, sozinhos, a aula começar, ou os quadros verdes vazios, sem sinal de giz, ou o café fumegando para agüentar as aulas noturnas, ou as escadas vermelhas modernas, ou o professor doutor fumando antes de entrar na sala de aula, ou tudo aquilo que eu não via mas poderia ver.

não que eu não esteja feliz em meu território; mas é que, de algum modo, eu acho que as palavras de lacan funcionam – você meio que busca eternamente algo inatingível, é um desejo coberto por necessidades.

só que, se você pensar bem, de qualquer modo é legal ser idiota: você se deslumbra com pouco. isso é bom. e hilário. hilário franco junior.

1.7.07

mart'nália

há drogas lícitas, progagadas pela Rev. Industrial, que às vezes te fazem inventar coreografias no quarto para "história de uma gata" ou gritar alguma música da Calcanhotto. você está consciente e não corre o risco de tentar imitar um go go boy, derrubar as pessoas ou, sei lá, gorfar.

sei lá o que tô falando. só sei que às vezes é legal sair pra conversar e ficar ouvindo música em casa. sei lá, sei lá.