26.12.08

natal em oito

os insetos que não me esquecem. e é de noz, de tofu, de cereja, de natal. eu digo que quero de volta, isso bem no recôndito da memória, quando cochilo no sofá na espera da campainha do aparelho. ao mesmo tempo, não quero outra revolta, de 20 anos mais ilusões, do outro lado, leste, e da falta de fala. se vier, eu vou, e a vida vai ser outra. mas o medo de que seja outra é muito grande, grande demais, pesada demais, do tamanho do monstro dos sonhos de antes, que empurravam o carro ladeira abaixo, nada com os sonhos de 20 anos mais tarde, sem carros, mas com listas de 'porquês'. os motivos da vida - que causam -, flechas - que levam e lançam para não sei onde. tento cantar com os vidros levantados, porque a voz não é das melhores, tento caminhar de rosto baixo, porque a expressão não é das melhores, tento usar a malha e o cachecol, porque a saúde não é das melhores, e tento tirar-extirpar um pedaço da carne que se criou já um tanto degradada, porque assim é melhor, porque por mais eu não saiba bem o que se faz de bem ou de mal, tudo que é feito com uma força maior que o comum é prejudicial. mas isso foi tema de uma outra reflexão, segundo a qual precisa-se empurrar um pouco com a ponta dos dedos em uma superfície lisa, quase livre de atrito, para que haja vida, mesmo que prejudicial.

Um beijo

É um corpo mais alongado, e as formas mais finas. Sorrio e tento juntar as palavras para que elas saiam de forma, pelo menos, mais lúdica. E eu estou bem.

E não é que se disse a verdade quando disse que se vinha?
E não é que se disse a verdade quando disse que se ia?

Às vezes, pode parecer trabalho perdido o de juntar. (E eu estava bem.)

Morder o lábio mais forte. E o pescoço também.

A cena do meu rosto no afastamento, na luz que incide, nos olhos que se fecham e na reaproximação (efêmera).

Um beijo.

21.12.08

isso aconteceu com g. manzo.

ela namorava um rapaz indeciso, inseguro e medroso, mas o amava. acontece que, alguns meses depois, não deu certo e acabou. corriqueiro assim (?).

g. manzo já conhecia um outro cara: decidido, excêntrico, imprevisível. a primeira vez que eles ficaram juntos, em uma fração da noite, ele colocou cuba libre na boca dela da forma mais esquisita desse mundo. ela aprovou. mas nada começou nem acabou.

outro dia, ou outra noite, g. manzo foi atrás de tudo que fosse nada daquilo tudo. terminou em casa, assistindo 'pushing dasies' e procurando desesperadamente por achocolatado no armário para escurecer um pouco seu leite desnatado.

17.12.08

1º de agosto

quando vou digitar, e a barrinha reta de onde saem as letras pisca, eu vejo um risquinho à direita dela, e é incômodo, parece um grão de sujeira, e depois você olha bem e parece um acento, e quando você se dá conta, não é nada.

eu ia falar de querer, de conhecer, de gostar, mas deixa. nem tudo precisa ter amor. ou pelo menos finjo acreditar.

11.12.08

à esquerda

se pudesse, encaixotaria a memória e mandaria embora. como não há fotos, cartas ou presentes, a memória. se pouco restou daquilo de pegar, isso veste significado novo. memória, não. apagá-la é extirpar parte da vida, é tirar pedaço da linha do tempo, apagar mil parágrafos da biografia.

declaração

eu respondi: foi no carro, conversando, na esquina da rua dos pinheiros com a pedroso. timidez.

quando a mulher maravilha me beijou, eu tomei banho na vó e não molhei o rosto. no dia seguinte, eu andei pelas roupas do largo de pinheiros, e minha tia perguntou o que era aquela marca.

amanhã, nas ruas de não sei onde, não vai ter gente perguntando o que foi a marca. porque as marcas estão nos dedos, eu não vou lavar os dedos, e ninguém vê os dedos, porque é o mesmo perfume que eu elogio, que eu sempre elogiei, e eu nem sou de elogiar. nos últimos dias, duas pessoas de extremos opostos disseram que gostam quando elogio, porque, quando não gosto, não gosto mesmo.

é, eu sei que tinha que falar mais 'que bonito' ou 'como gosto', não que tudo isso seja elogio, e não que não seja verdade, e nem sei por que eu não falo. talvez por medo de alguma coisa. mas, se lesse isso, você saberia, eu gosto do perfume, vou dormir com ele, não sei o que será dele amanhã, nem de mim amanhã, mas o perfume dorme comigo.

você dorme comigo todas as noites, mesmo que a duas universidades daqui, mesmo que distante feito sonho, mesmo que sem presença de ficar com perfume no dedo, e às vezes eu tenho o pensamento feio de que a vida deveria ser de longe, que o amor deveria ser só de um, sem mais nada.

talvez seja mais fácil. com perfume ou sem perfume, é difícil, deixo de ser o que pareço, mas eu queria. queria conseguir não escrever cartas e fingir que nada é assim. porque fazia nove anos que eu não levantava pensando em alguém,e que meus pensamento não se dirigiam o dia todo a alguém. talvez o orgulho até então não deixasse que outro me ocupasse que não fosse eu. e talvez chegou a hora de entregar os pontos. de dizer para deixar a vida. deixa ela.

como se tudo pudesse ser numa bolha, eu numa bolha esperando, nada além que importasse, só você vir e ganhar remédio, cama, banho. porque não teria que ter um roteiro já estabelecido que ainda não sei direito como cumprir, e que você deve saber bem. talvez porque a bolha fosse como um filme sem pé nem cabeça, e nos entenderíamos, você entende de lá e cá. mas é difícil.

dói um pouco a matemática e de saber de como gosta da matemática. dói pensar que para tudo dar certo tem que ser assim, ou dói pensar que talvez ser assim é o certo que talvez seja o não certo. dói pensar nisso tudo e não poder contar os pêlos, as pintas e quantos passos são dados do café ao nosso lugar, os muitos lugares de sentar e deixar a vida. e digo sempre, é, deixa a vida. deixa, deixa. não de ir, mas de ficar, mas ficar não preso, pro vento.

24.11.08

Senado Federal aprova... William

Foi aprovado no Senado o projeto de lei que impede que duas pessoas utilizem um mesmo perfume. Se poder William tivesse, exigiria: peles devem ter cheiros diferentes; o uso de cheiros artificiais devem ser exclusivos. Na última segunda-feira (22), W.D.S. percebeu um corpo mover-se atrás de si. Veio o aroma de braços e pernas com lençóis, noites quentes sob prédios, ventanias. "É o mesmo produto que vai me perseguir pelos anos", afirma. Porque o produto usado foi o mesmo, sabe. William, portanto, gostaria que eles, os produtos, fossem expurgados, para alimentar a ilusão de que se pode arrancar as linhas do pensamento em que uma pessoa está presa, uma pessoa presa nos fios de outra; arrancado este naco, um buraco ficaria na linha do tempo, seria o trecho censurado da biografia autorizada, sobretudo se ele se desse ao luxo de realizar a loucura de comprar o mesmo produto e, com ele, passar a viver, da mesma maneira que fez com jaquetas. "Quando o pensador me chegou, eu o cheirei", revelou. E o trecho censurado, de novo, lhe veio. William perguntou ao assessor quanto tempo o cheiro do produto demoraria para se dissipar, ao que não houve resposta. "Posso caminhar sem estar em estado de sítio?", questiona.

21.11.08

Ali, o piano acalentava. Era céu cor cinza, sangue nas costas, dor, mas o piano acalentava. E o desejo era que a cabeça também sangrasse, que dela saísse tudo que estava empilhado, entalado, entupido, estocado, e ela crescia, e crescia mais que qualquer outra parte do corpo, enquanto o piano acalentando.

O suposto era que uma aula acontecia, posto que, vez ou outra, alguma tecla era pressionada de maneira equivocada, e isso irritava a cabeça que crescia. E crescia.

Era dor necessária. Era preciso que doesse, porque senão não teria como alinhar e limpar. Então a escolha era doer ou alinhar, limpar ou deixar apodrecer. O piano.

Na noite de ontem, não houve piano. Não era o atemporal ou o que lembra um passado que não existe, mas foi um corpo que existia, inclusive, antes de existir em um formato não-corpo em mim, ou na cabeça que crescia.

Quando se surge de outro modo, não-corpo, é mais difíci. Imagina-se, constrói-se, destrói-se, se vê que é outro um que vem, vai, fica, parece que fica para sempre, e nem sei se é bem assim, porque nunca foi antes, nunca será depois e não há como saber o que tinha que ter.

Foram fios de fones de ouvido - brancos - que atrapalharam. E não fui eu que me aproximei. Era um pouco úmido, os fios atrás também úmidos, com espírito da competição consigo mesmo sobre o negro. E o inodoro.

16.11.08

Sobre passos

Quantos foram? Não sei medir em passos – nem por estimativa. Posso dizer que foram, assim, uns 15 quarteirões de pensar – daria umas duas ou três páginas, que já foram para o espaço, e muita, mas muita bateria de música e um tempo para o cinema – e, confesso, muitos para o cochilo. Também teve o tempo para o alimento e para o banheiro, porque sou vivo, mas só.
..
Como viver em dez passos. Como fazer as coisas corretamente para não tropeçar no final.
..
Vou caminhar mais um pouco. Cansei desse lugar.

7.11.08

o menino cansou de esperar. eu já tinha o visto antes.

..
aquela vez, nesse mesmo lugar, dei oi à menina. era verão de ir ao cinema de ônibus, e o cabelo dela estava em desordem. você está diferente, eu disse. deve ter sido a Bahia, eu não disse. mas hoje entendi; hoje, primavera.

olhei no espelho do shopping, e meu cabelo lembrava ela. é o tanto andar, eu não disse, mas pensei, enquanto tentava, em vão, o ajuste. é o subir e descer as ruas, dobrar as esquinas e parar nos semáforos. descer aquela rua, nome feminino, pro lado de lá, me lembra os Dandy Warhols, eu diria, como se ela não estivesse tão longe.
..
voltando para casa ontem me identifiquei violentamente com Marisa. é a esperança. o andar é por isso.
..
hoje preciso de outra coisa, não de um monte de coisa.

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funciona como se as palavas ficassem lá dentro, soltas e dispersas
de repente, algumas voltam à garganta, dói dentro
engolidas de novo, ficam por um bom tempo
então você tenta tirar tudo de vez
não dá
então você escreve


o alívo, espera ele, é para sempre
por isso cliquei em 'enviar para sempre'
mesmo com todos os riscos para a humanidade vindoura

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estou me despedindo. esse modelo, talvez, tenha sido esgotado. mas vou espremer até a última gota e me vou, porque, pela primeira vez, perdi o leitor-modelo.

3.11.08

fim de dez

para eles deve ser fácil, eu não disse. mas só de estar perto da clareira, com pouco verde, tudo branco, eu já me sinto bem. e não foi a primeira vez. lembra aquele tempo, a tantos quilômetros da cidade? eu no telefone tentando falar com o santo que nunca atendia, e você passando para espiar, feito criança. é que tudo que você faz vai ser feito criança, vide seu rosto de anos antes. mas eu devia ter me aproveitado da fragilidade de subir a escada com canas e limões, porque, quando peguei no seu braço, você disse que estaria mais tarde na escola, mas mais tarde seria o não-dia; foi quando eu tirei seu anel e levantei sua franja. como muda.

28.10.08

m. poole

num interim, depois de certas décadas, me virei do avesso para poder compartilhar e não precisar escrever. o observador perguntou por que não havia mais letras minhas por aí, ao que respondi que não era preciso, considerando a conjuntura de sorriso. quando se tem quem olhe, não é necessário procurar.


..

aquela tarde de domingo foi a melhor da minha vida. de criança, era pão francês fresquinho, os homens da tevê, cheiro de café e um dos dois jornais, dependendo a quem a visita fosse ou do humor da mãe.

naquela, dentro do interim do avesso, era só eu, o observador e as ruas vazias. é claro que a gente não aproveitou bem, mas coisas dessa natureza são apenas descobertas quando já é tarde da noite. só digo que os passos e os passos e as palavras que viravam vapor me faziam feliz. e como feliz.

..

horas antes do episódio de encerramento da temporada, aquele pelo qual todas as pessoas sentariam na sala para assistir, enquanto eu no computador e o outro nas ruas cheias, mandei aquela letra que ninguém sabia que eu gostava, que falava sobre paraíso, truques, promessa de fuga, como um sonho. fuga nas ruas vazias de domingo, como um sonho. mas apaguei.

20.10.08

uma vez ao ano, as florezinhas se reúnem em assembléia para discutir em que dia de outubro começam a cair
há as amarelas e as lilases
as primeiras são as mais numerosas, há muitas e muitas
hoje, no quase chegar, o vento soprou de maneira contundente e as flores todas voaram; nem adiantou a reunião
ou, talvez, as pequenas e o vento se reúnem conjuntamente
reunir conjuntamente, se é que isso faz sentido, ou se é que isso faz dois sentidos, mesmo sendo o mesmo

*

eu vou levando
em todos outubros o amarelo e o lilás vão continuar voando
meu coração, também, vai continuar batendo, batendo
pelo menos eu espero, por bons e grandes anos
por mais que esses anos possam ser tristes, de ficar gota no canto do olho
ou felizes, de pular e suar e grudar confete na testa
por mais que ser feliz ou ser triste possa ter a ver com as flores
ou ser feliz e triste possa a ter a ver, ou haver, de ter, com alguém, com outro alguém, com o outro, o de fora, ou o de fora que vira de dentro
eu queria que o de dentro saísse para fora, assim, com dois sentidos sendo o mesmo, sair e para fora
e queria que o de fora viesse para dentro, fora e dentro, assim, um contra o outro
é que é triste, muito triste, quando as coisas dão errado
a agüinha fica lá no canto

*

é egoísmo, eu acho
sim, eu acho, ou apenas acho, porque o , acho é, assim, mais inseguro
porque tudo é meio, assim, inseguro
como o assim
ocupa espaço
e não tem resposta

*

manda um beijo pra mãe
e pro pai, se tiver
e me traz a nova edição
se eu conseguir ler

27.9.08

se na cidade chovia, isso não era para ser sabido, porque eu não estava na Frei Caneca, eu estava na Cidade Líder. e me desculpe por ser específico falando o nome da rua do bairro do centro espandido e não falar a rua da zona leste; eu nem sei se era uma rua onde eu estava. mas o todo era escuro, e quando voltei para o centro, chovia, ventava e eu me sentia úmido, me perguntava por que chovia tanto. às vezes a gente vai para as outras zonas e o mundo é outro, toca Wilco, toca Scissor Sisters, e quando a gente vai embora já tá claro. nem parece que foi ontem.

24.9.08

manhã de quarta

acordei quando o relógio disse as horas
fiz as contas na cama: quatro mais cedo. levantei o tronco, estiquei as pernas

me perguntei quando

28.8.08

aqui do meu ramal posso tentar te ver passar lá em baixo, mas nem sempre eu posso. eles querem que eu fique sentado em frente ao cristal líquido, exercitando dedos, aleijando pulsos, grudando post-its.

há tantas cores mais bonitas de post-it do que amarelo aguado. esse aqui é tão 94...

tento te ver pelos vidros. as janelas são grandes e, quando abrem, a visão melhora bem, e eu me sinto meio poderoso de poder ver daqui, porque aí de baixo me dá vergonha: ando cabisbaixo, olho para o chão, não percebo que tudo aí é tão grande.

falo palavras que não falaria pra ninguém aqui de cima, e tenho menos vergonha, porque, em baixo, eu nem consigo falar, mesmo falando por dentro, porque o medo que você passe é maior.

agora eu falo. e me dói cortar em parágrafos ou estrofes. é como me rasgar e me virar do avesso.

às coisas novas

lembro de que quando conheci Dante as coisas não eram assim. e nem o modo de eu chegar, de sentar e ligar o aparelho era o mesmo. tudo que eu lia também era diferente. e isso não faz tanta falta, porque não dei um "adeus". só deixei ir.

por isso que todos os rostos pelos quais eu orava todas as noites não me faltam mais.

às coisas novas.

30.7.08

aquela estação tinha nome português. não um daqueles nomes que eu dizia serem portugueses aos 14 – era um português mesmo. só as pessoas que não pareciam nada ibéricas. uma delas foi a nipônica mais fofa que já vi. talvez fosse chinesa, coreana ou até mesmo portuguesa, mas o fato é que ela fugiu da pomba de maneira fartamente pueril – e é isso que importa.

eu descia a rua procurando um café e lamentando porque não havia chegado mais tarde, até o momento em que me censurei e falei que deve ser assim a partir de agora. apenas não me contive na hora da busca do café, que foi mais uma busca eterna -- assim como tudo que faço.

preciso sentar, escrever um pouco, cair na realidade.

a realidade era de mercadinhos mais fofos que a nipônica e de mais nipônicos – ou chineses, coreanos, portugueses – entre barracas de fruta e restaurantes minúsculos com chawans e hashis.

café hoje foi com açúcar, e houve, sim, amores breves de metrô.

9.7.08

Lingüística

Quando, no ônibus, vi os pés cobertos, disse que os beijaria. Disse a mim mesmo que beijaria os pés e todos os pontos daquela palavra. Percebi, nessa fração, que beijaria os pés e todos os pontos de qualquer palavra oca, qualquer palavra que fosse um tudo e um nada, feito tudo, nada, mas, porém, todavia, contudo, ou aquelas mais vazias ainda, porque, te, se, lhes, vos, me jogaria em seus braços e sentiria o gosto de letra por letra, diria que estou triste e precisando de cada pixel, pingo de tinta, fibra de papel, porque, se fosse uma palavra embebida de significado, coração, pêlo, casaco, eu não iria querer beijo nenhum, eu iria querer sentar, chorar, ouvir Neil Young, esfarelar letra por letra.

5.7.08

há muito tempo eu te olho e, sabe, falar isso agora, aqui, assim, não é fácil não, você pode perceber porque eu tô falando assim, meio rápido demais, ou assim, meio enrolado, meio atropelado, ou, sei lá, talvez eu esteja falando da forma mais clara possível, que é como eu falo quando tô querendo me organizar mentalmente, mas, enfim, é isso que eu queria falar, que há muito tempo eu olho quando você passa, você deve saber disso, porque quando a gente tá quase do lado, poucos metros, eu olho pra baixo, finjo que não vejo, mas eu percebo que você olha, não sei se a gente tem uma espécie de olho ou de sensor nas costas e no pescoço, mas eu consigo perceber que você também olha, isso também quando, sem querer, a gente olha na mesma hora um pro outro, tipo aquela em que eu tava sentado na mesa e você passou, eu que lia uma linha e depois olhava pra cima do papel pra ver quem passava, ou, mais preciso, pra ver se você passava, e você passou e olhou, igual aquela vez em que eu tinha acabado de tomar banho e mal imaginei que você era você quando eu vinha andando e quase me assustei quando reparei naqueles olhos assustados, que, confesso, ficaram feios, você não fica bem com olhos assustados, pena que foi só assim que a gente se viu bem perto, porque nas outras os olhos eram perdidos e até meigos, meio igual quando você estava no banco escutando música e eu, como sempre, carregando as minhas coisas, e agora que você vai embora, mesmo eu sabendo que é um mês que você vai gastar fazendo aquele trajeto que eu descobri qual é, eu fico meio triste, porque eu gosto do jogo de passar e olhar, ou de sentar e esperar passar, mesmo que o jogo não tenha fim e não leve pra nada, porque toda vez que se tentou levar pra algum lugar não deu certo, tipo quando foi o tempo das artes ou das listras, por isso é melhor não caminhar, um caminha, outro pára e olha, é assim que a vida funciona, fazer o quê.

27.6.08

Novelo
Se alguém pudesse me contar por que é que tudo é como é, eu daria um picolé, não de limão, mas de champanhe com doce de leite e coberto com casquinha crocante de chocolate – daqueles que você morde e os três sabores se misturam e que nem existem mais. Se alguém pudesse me contar por que é que eu pergunto tanto, não respondo nada, duvido, reflito, dou voltas ao encontro do meu próprio rabo, tal qual o Miguel da dona Márcia, eu daria o sorvete, daria mesmo, ou até sentaria naquela mesinha de madeira em frente à porta de vidro, tomaria uma água, secaria as mãos num guardanapo de papel e conversaríamos por algumas horas, até irmos caminhando até a livraria escura, escura, escura.

18.6.08

a estrututa

saindo do carro com dificuldade em mexer o braço, me perguntei por que levo o mundo para o mundo. por que, desde não sei o quê, eu saio de casa com tudo o que não preciso. é que eu segurava o ipod, a chave, o celular, o jornal e mais três quartos do mundo nas costas -- e um agasalho pendurado em alguma parte de meu corpo. não dá, não dá. deve ter sido a fome, ela me fez voltar para casa. a fome é a mais antiga forma de poder, ela pode também ser considerada a estrutura maior que nos guia, mais que tudo, mais que xamã, família, linguagem. se fosse por aquilo outro, talvez eu tivesse chegado lá, não tivesse me perdido nas ruas de nomes estranhos e casas híbridas. a fome como mãe.

13.6.08

muitosdefidel

foram litros e mais litros, e a busca segue. o chá verde com gengibre e laranja mais o jornal na primeira vez em que o objeto se tornou o objeto, e me vesti com mágica para ser visível e invisível, assim eu deixava de ser eu enquanto eu era eu, da forma que faço quando se aparece em meu caminho, ou se está na diagonal – coisa mais fácil desse mundo, ainda mais nas tardes em que resolvo fazer grifos.

foi com cervejas que tudo continuou. dessa vez, não se cruzava nem se vinha na diagonal, mas eram voltas, círculos e quadrados, quando não se ficava de longe, olhando pouco, tomando também, e eu reconhecia com olhadelas para os cantos, nunca nos olhos, e assim via o casaco, o cabelo, os sapatos, mas não os olhos.

12.6.08

dia dos namorados

não tem coisa mais bonita nessa vida que casal na motocicleta. não-pessoas pelo capacete. o jeans, a bolsa dela a tiracolo e sempre, sempre uma jaqueta.

de resto, já não sei.

10.6.08

filme sozinho

quando domingo anoiteceu, pensei em você no sofá. tem a cor daquela minha camiseta das tardes de sábado, e meu corpo era todo confundido. minha cabeça como que flutuava nos seus dedos que aravam os cabelos, tentando fazer sulcos.
momento em que não tem sentido perguntar para que é que serve a vida.

nos dias da semana, percorro tantos corredores e vejo tanto que nem sempre faz um sentido. lhe digo no banco do carro que nem tudo tem sentido, mas a verdade é que eu continuo buscando um, ou alguma coisa que se disfarce de sentido quando, nas noites, olho pelas janelas e vejo você nos cabelos e nas outras janelas, nos adesivos dos vidros e nas ranhuras das peles.

tem dia em que o ceú fica tão bonito que eu digo que a vida é feita para ver o céu, e eu digo que eu queria falar lugares-tão-comuns tão bonitos assim, como ele, como você, até o fim dos meus dias

8.6.08

3 x 5

Quinta-feita e mais carros na rua.

Perto de casa, os homens com as melhores calças e com latas de leite ou cervejam chegam às dez. Demoram no máximo vinte para chegar. (Lembra mamilo.)

Eu, a essa hora, estaria me arrumando para viajar por no mínimo meia hora e ir beber líquidos doces em copos plásticos com canudo colorido. (Fios de cabelo.)

Mas eu voltava das aulinhas de inglês. Acaba quase às dez, e há culto na igreja. Mais carros na rua. (Pés. )

5.6.08

baunilha

deu vontade danada de vestir o casaco e andar até o café. lá é tão quentinho, e o meu mocha vem com um coração de espuma de leite estampado.

mas a colherinha assassina todo o coração, que se desmancha inteiro quando se adoça o café.

o doce deveria deixar o coração intacto, afinal, quando a gente não tem coração, a gente é amargo, não doce. pelo menos é o que sempre me disseram, desde os três.

12.5.08

As idas

Sempre tive problemas em andar com cafés. Capuccinos e águas nunca foram problema; mas cafés, você sabe, não me deixam em paz nos caminhos de ida – porque mesmo que se esteja voltando, se está indo a algum lugar. Tento andar em linha reta, olhar para frente, manter as costas eretas, e o café me perturbando.

Nesta fase, você sabe, tenho de circular naquele lugar que é o quase circo dos horrores, onde as pessoas que são quase deformadas atrapalham meu caminho de ida, atrapalham minha linha reta e agravam meu problema em andar com cafés. As pessoas dormem nos veículos motorizados, as outras esperam horas mais horas nas filas do nunca enquanto as outras, na calçada, agonizam.

E é na lanchonete que me vêm as origens. A senhora a quem peço adoçante líquido come a coxinha e não me olha nos olhos, mas me faz o favor. As pessoas, todas devoradoras de coxinhas, comem. Comem coxinhas eternas, e eu volto ao meu caminho do café rumo ao transporte de motor.

Você sabe como é. As coisas do ônibus. Reencontros velados – não quero olhar, não quero, apaguei já. Mas a memória permanece. Anticorpos sociais. Eu voltei a fugir com os fones de ouvidos, agora só meus olhos trabalham, eu fujo e chego a outros lugares. Diga, por que colocastes os óculos? Ah, e tens uma pele tão boa... Eu mapeio a pessoa na pele e nos lábios, nos cabelos, na jaqueta, nas rugas e nos olhos – vêm, vão, perguntam. Tento fazer uma expressão tão neutra... Não é fácil ser neutro, ou tentar se dissolver no transporte público, ainda mais quando se está indo aonde todos de um estão ou todos de todos gostariam de estar.

E então eu chego ao outro novo caminho de ida, perto de outro quase circo dos horrores, mais afastado, mais provinciano, e ela me vem. Não tem dinheiro sequer para ser devoradora de coxinhas. Ou para sair da província, voltar para casa. Desde as nove sem comer, até as dezesseis sem comer. Que fazes? Que estudas? Ah, como eu queria! Tó, toma, só tenho isso. E me chega a desconfiança quando me afasto, na tentativa de caminhar um pouco mais. É que hoje me deu vontade de andar mais. Mais, mais, bem mais.

28.4.08

é o trabalho burocrático, nas noites de segunda-feira depois da carne vermelha e dos grãos de feijão, o ato de se levar o lixo para fora, e, no fora, a rua vazia. esquisito, porque às oito e pouco, quando voltei, ela ainda estava cheia. são as pessoas que devem ter essa síndrome das dez. e some tudo. eu gosto das dez.

22.4.08

eu contaria que comi um ovo frito, mas este texto tem a pretensão de ter um quê de melancólico, porque às vezes se senta e se quer escrever o que vem de dentro, e o que vem de dentro é a melancolia dos dias em que não se quer ser o mesmo, mesmo sendo o mesmo, o mesmo usando os tênis gastos do ano passado. falar sapatos seria mais melancólico que falar tênis – ou ovo frito – mas o tênis é de verdade.

e é a felicidade que deixa tudo assim. ou meio assim, do avesso, maltrapilho.

16.4.08

do batido e do ciro

seu c., também tem uma pedra no meu caminho. não é das pedras das mais bonitas e virtuosas, sabe, mas é muito valiosa, porque achar uma pedra não tão bela e cheia de imperfeições é coisa rara nesta vida. me disseram há um tempo (não lembro se foi o senhor) que oportunidades têm de ser agarradas nesta vida, ou, se utilizassem um trem como oportunidade, você tem de pegá-lo, porque ele nunca mais volta. eu nem sei se essa pedra, se esse trem pode ir logo e nunca mais voltar, nem sei se devo pegá-lo e ir a um destino desconhecido só para agarrar a oportunidade, porque é assim: pode vir coisa melhor, por mais que seja tudo isso um tudo bom, sabe? ou pode ser também aquela frase-kaufman, ou aquela frase-muitos, de um olhar que te olha e você se apaixona porque te olha. e esse olhar pode ser nada intencional, porque quando cai a árvore e eu me interesso por ela, isto, sim, é comunicação, e eu não sei se quando eu caio por alguém é comunicação; talvez seja se eu começar a misturar todas as teorias e dizer que quando a pedra me aparece no caminho é um acontecimento, e, sim, isso sim é comunicação.

4.4.08

Um sem-número de passos

I
Desliguei o telefone e nada me guiava. Inventei desculpa qualquer para ficar só e andei. Garoa era fina. Eu quero sentar, pensar. Refazer mentalmente o caminho do diálogo – os horário de antes, de depois. Refazer mentalmente o caminho da relação: os humanos que formam fios entre si e que precisam andar sob uma linha-guia no chão para que ele, o fio, não se rompa.

II
Era um boteco da Augusta. Eu podia escolher dois tipos de bebidas: as que levam para dentro e as que levam para fora. Optei pelo primeiro tipo, e me veio um café expresso às dez e meia da noite. Fantástico na televisão; e, se você quiser, a gente pode falar de sacos plásticos: eu tento evitá-los, e muita gente não entende, não entende, não entende – são tão práticos! Quando acaba o café, e olho para a xícara, marca de borda poética. No fundo, resto de pó e doce. Parecem estrelas. O que dizem elas sobre mim? Meu futuro: minha casa, meus pares, minhas maçãs e pêras da fruteira. Ou talvez elas digam que devo me levantar, fingir que nada aconteceu, tirar o cabelo da testa e caminhar e. Não-não-não. Não sei o que me diz essa versão ocidental da borra no fundo da xícara. Eu mexo o ar com a colherinha enquanto olho o meu futuro, e eu nem presto atenção no futuro, eu apenas mexo o nada, eu olho o nada, eu não estou bem, não, não estou bem. E passa o garçom uma, duas, três vezes; talvez ele queira ir embora, talvez seja melhor eu ir embora.

III
A chuva aperta. Me abrigo perto dos que esperam o ônibus chegar. Eu espero um ônibus que nunca vai chegar, nunca-nunca-nunca. Olho para aquelas pessoas que querem estar logo em casa. Olho a água em linhas finíssimas vindo de cima. Quando o ponto esvazia, sento no degrau de um comércio. Eu e meu capuz do moletom. Guardadora de carros começa a falar com jovem ao meu lado. Ouço ela, ouço eu, e fim. Talvez agora eu não queira mais ficar olhando, vendo as pessoas passarem e tentando refazer tudo mentalmente. Olho o relógio de rua, lá em cima. Ainda há tempo, ainda há, não sei o que fazer.

IV
Resolvo fugir. Fugir. Isso até às 3h e pouco, quando me vou. Com cuidado.

1.4.08

extremidades avermelhadas; as pontas, os tocos, as rugas. está frio, 'cabei de correr, com gripe estou. desde já.

gosto assim.

20.3.08

mudança no olhar

ele é feio como uma mesa de centro. era isso o que as amigas do caminho das pedras diziam a Valesca. mas Valesca nem achava mesas de centro feias.

terceira pessoa do singular [II]

no meio dos papéis mortos, lá estava ele. por um descuido, quase achei que ele estivesse morto também, e com os outros finados iria para o reinos dos papéis que já cumpriram sua missão no mundo. mas lá estavam lá: "3ª pessoa", "como se escreve 'amar' em japonês?". e era uma escrita atemporal; não era minha letra de fevereiro, de dezembro ou de qualquer outro mês de letra. mas estavam lá, e foi tudo antes do dia em que levantei um pé do chão da primeira vez. é, foi antes, e eu já escrevia os textos com o sorriso dele, as roupas dele, a rua dele – e eu nem percebia que os textos dos outros eram, no fim, dele. e hoje, quando acho que ele já era, talvez os novos olhos sejam, na verdade, os dele.

terceira pessoa do singular

como se fala 'eu te amo' em inglês? e em espanhol? terceira pessoa do singular perguntava isso quase sempre quando nos encontrávamos. eu dizia: 'i love you', 'te quiero', 'te amo', terceira. ela não parava de pensar: será que 'love' é a mesma coisa que eu sinto quando amo? e será que o que sinto quando amo é a mesma coisa que se sente quando se ama?

eu nunca soube da resposta. até tentei pesquisar de forma séria/acadêmica; até, quem sabe, iniciar uma pesquisa científica. mas qualquer bibliografia consultada, qualquer tentativa de apreensão me remetiam à terceira pessoa. e então, no fim, eu apenas ficava com um sorriso pueril e as mesmas roupas de sempre.

15.3.08

e. matoso; kyoto

inventei mentira qualquer, fui embora. a ginástica labial não deve ter sido das mais convincentes, mas tentei até a esquina, quando o público foi embora e pude fazer do automóvel espaço privado.

é triste. até hoje.

13.3.08

Vem cá, vem cá, me diz. Não. Não vem, não diz nada. Desculpe. Tem dia em que eu mudo rápido de idéia. E. Eu que não sei por que falo as coisas. Às vezes, solto pedaços que acabam dizendo além de mim, sabe, que aqui dentro diziam outra coisa, como se fossem quadrados formadores do todo, que, fora, formam uma coisa estrangeira, alheia, aleatória. Você não seria capaz de me dizer por que tanto tem vindo para o transtorno, é difícil saber. Um. Mas eu queria. Já passei daquela fase de querer saber tudo; talvez esteja na fase de querer saber todo, mas não de saber tudo, isso é ingenuidade. Vem e me diz, e me diz, agora eu quero saber, e me diz, o que pode ser do que vai ser, eu quero saber o que se passa dentro.

20.2.08

center três

longe da xícara de chá, a garoa fina brigava tanto com o vento que as gotas – se é que elas podem assim ser chamadas – voavam de forma desordenada até o pouso.

o garoto, cujo nome desconheço (e por isso utilizarei a letra "d" para substituí-lo), caminhava. d., portanto, caminhava.

d. era enquadrado por uma câmera de diretor cultuado denominado "alternativo". d. era enquadrado pelas costas enquanto caminhava sob as gotas desordenadas. e o espectador assistia àquele todo cinzento ao som de elliot smith.

d. sentia frio e não parava de andar.

15.2.08

ano bissexto

impossível foi dormir naquela primeira noite de ausência. pretensão foi a minha imaginar que no desligar do televisor meus olhos fossem se fechar até que toda aquela fumaça estranha de dentro se dissipasse; pretensão foi a minha imaginar que aquela pedra, daquelas achadas na beira da estrada, fosse ainda só uma pedra, como em estações anteriores, porque uma pedra é uma pedra, uma baleia, um pirulito colorido, um edifício em contrução, e, por mais que eu quisesse esconder, a pedra era o que não me deixava dormir, era a pílula que segurava minhas pálpebras e mergulhava no meu cérebro, porque, já que as pessoas afinam e desafinam, a pedra já não era mais a mesma pedra, eu já não era mais o mesmo eu, e o que a pedra era para mim, por mais que a pedra já não era a mesma pedra, era aquilo que me mergulhava – e como eu queria que as coisas fossem só as coisas e que as interpretrações fossem únicas, só umas, verdadeiras, teológicas, como tudo seria mais fácil!, eu conseguiria dormir. então eu tentei pensar em areia da praia, chapéu de caubói, Nordeste, Rosa, ti, pele, pêlo, cílio, ti, então me levantei, tentei pensar em tudo que não fosse a pedra, que agora chamo de ti, e fui ao banheiro, dei a descarga, me olhei, me toquei, e, de novo na cama, Paris, Londres, Belém do Pará e ti, com sofá, parede azul e edredom. abri a geladeira, biscoito, leite, pão de forma, me veio ti mesmo com Althusser e Bial na cabeça; mais ti e cabelos, sabonete, jeans. liguei o rádio e ouvi a mesma música inglesa três, quatro, cinco vezes, de ouvido decifrava e tudo era pedra – ou ti –, e eu voltei à cama e era uma cama de pedras quentes e me fazia escrever um roteiro mental, pedra sobre pedra, eu me transmutava, me guardava em uma ampulheta, e as areias escoavam, o tempo passava, e eu, como areia, já mesmo ainda areia, era outro, e a pedra, apesar de também transmutada em areia, já não era mais a mesma, e, no escoar do tempo, o reencontro, e nós já não éramos os mesmos – afinamos de desafinamos, lembra? – e a gente, junto, para o sem-fim, porque o universo de fora já não mais existia para virar a ampulheta, e, lá no fundo, os dois grãos, de certa forma, se entenderiam e as fumaças iriam embora, os sentimentos se fundiriam e, talvez, se o universo voltasse e virasse a ampulheta, os dois grãos estariam unidos e talvez nem percebessem que, antes, um era pedra e outro não dormia pela pedra. ou por ti, 'cê sabe.

14.2.08

cafés-da-manhã em 2006

em 2006, nos dias de semana, eu tomava o café no carro, no meu trajeto de cidade-dormitório ao centro metropolitano. dava pra dormir mais.

assim, o lixinho típico de carro (aquela sacolinha ínfima doada nos lava-rápido) dava lugar à uma sacola de supermercado, que exercia mais uma de suas múltiplas funções. às sextas, ela ficava bem gorda: era papel alumínio, embalagem de iogurte, restos e cascas.

quando tinha alguma fruta em estado mais deprimente, como uma casca de banana preta e melada, eu embrulhava em jornal e levava até os outros lixos. escolhia algum caderno que eu não fosse ler, tipo o de classificados, e levava o detrito assim, protegido (mãos protegidas, na verdade).

na página de esportes eu não embrulhava, não. sempre tinha um garoto ou outro que usava boné e sempre me pedia pra ler. além disso, sempre me vem aquela esperança de que algum dia eu me torne um corinthiano roxo.


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vez ou outra, eu tentava levar café no carro em grandes copos plásticos. o automóvel balançava, e não era muito legal: às vezes a bebida derramava e/ou me queimava a língua. café era melhor tomar no primeiro ou no segundo intervalo das aulas, com leite.

e foi em 2006 que comecei a beber café.

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tinha vezes que eu acordava tão atrasado que saía correndo e esquecia o sanduíche, feito na noite anterior, no frio da geladeira. outras, eu dormia tão tarde por ficar num fazer-nada na internet que nem sanduíche deixava pronto. então eu ia sem nada na barriga, ouvindo música ou cantando, e comprava alguma porcaria quando chegava. tinha uns salgados de um real, ou também umas coisas mais caras (nem por isso mais gostosa) que eu comia com suco de laranja.

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no dia do meu aniversário, 6 de setembro de 2006, eu acabei batendo o carro. coisa leve, pura distração. já tinha me atrasado tanto que resolvi me atrasar mais. parei numa padaria famosa com a minha irmã (que, às vezes, ia comigo no carro).

em padarias prefiro as tortas de frango ao pão com manteiga. naquele dia, não lembro o que comi, lembro apenas que não foi nada de mais.

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era assim em 2006. a não ser nas férias, nas férias todas da minha vida, quando os cafés da manhã são quase inexistentes, a não ser num dia ou outro em que eu acordo cedo ou na praia. praia tem cara de café da manhã.

28.1.08

o pedaço público do transporte público escapava de perceber. instrumentos: auto-falantes portáteis nos ouvidos e livro nos olhos.

pode-se escapar de outras formas: ir ao inferno, beber das poções, fitar os olhos e desviar quando se é percebido pelos que também escapam.

uma outra maneira é a troca da ptialina com o próximo que compartilha o mesmo desejo do escape. esta, aliás, é a maneira mais bonita de escapar. mas, cuidado, pode doer.

27.1.08

cidade de luz e sombra ou 'rehab'

nós separados em cápsulas que navegavam e, quando-quando, encontravam-se na cidade de luz e sombra.

nós unidos, solda viva, na cidade de luz e sombra.

quando-quando, vontade era a de soldar e encapsular, botar luz e sombra e mandar tudo ir.

é que os braços eram de um tal formato e temperatura que faziam com que qualquer som chegasse bonito aos ouvidos. faziam com que todo aquele que possuísse braços chegasse bonito.

24.1.08

de quando alguém chega do nada e você tem medo de sentir

eu, que já andei pelo mundo prestando atenção em cores, já não me reconheço mais.

aquela criatura de Nápoles que pinta os olhos e a boca e me faz rir já me existia quando eu via o azul, o amarelo, o anil e até o violeta; quando eu sabia diferenciar só com olhadelas uva rubi da itália, maçã ácida da açucarada, fruta que amarra da que adoça; quando eu podia reparar no cotovelo dos meninos, rosados ou quase roxos, machucados ou quase lisos; quando eu via as cores de tudo: pêlos, pintas, sardas e olhos que mudam com o sol.

aquela criatura que veio do nada com toda a trupe às minhas terras fez com que eu, que existia para ela desde um sempre colorido, pouco a pouco não existisse mais. fez com que eu andasse nos dias de disjunção pela grande avenida em que a garoa é tão fina que não tem direção certa para pousar, e olhasse todos aqueles devoradores de milhos, telefones celulares e cafés expresso e não reconhecesse mais suas cores.

aquela criatura circense e melancólica me veio e eu nunca imaginei que fosse capaz de fazer com que as únicas cores de minha vida se tornassem as de suas vestimentas, de sua pintura facial e de seus verdes. ela não pediu permissão e, lentamente, tirou o que era meu. e eu não aprendo: não páro de pensar em seus truques aprendidos no circo, eu não paro de pensar na hora que chegará, tirará a maquiagem e dirá "sente-se aqui".

algumas noites, ao me deitar, deixo as comportas do rosto se romperem e choro. porque não quero, porque não posso voltar no tempo e fazer com que o que é sentido pela criatura se deturpe inteiro. é que o circo, um dia, vai embora. então eu ajoelho e peço que venham outras que possam, ao invés das cores, fazer com que eu não perceba texturas, profundidades, formas definidas, que seja, mas, por favor, que tome o lugar onde está pregada a criatura napolitana que me tirou de mim; é o que mais peço. encarecidamente. amém.

16.1.08

cuidado com o mesmo

o escritor acordou confuso feito o David de seu conto. e, redigindo um texto como este, se confundia com o conto, porque ele, o escritor, é David, David é ele, e eles são a Folha, a piauí, o Lynch, o Almodóvar, a rua Augusta e o Jornal Nacional. eles bebem do mesmo café, da mesma água, respiram do mesmo ar e comem do mesmo pão de queijo recheado com requeijão.

todos são os mesmos nas mesmas lojas, nos mesmos cinemas e nas mesmas pistas de dança, onde o escritor sempre dança as mesmas músicas oitenta com os mesmos e tromba sempre com os mesmos nas mesmas ruas dos mesmos bairros. por isso, ele sentiu um alívio lá longe, no anonimato do verão, atrás de óculos escuros e lambuzado de protetor solar. lá longe se tem Guarulhos, São Bernardo do Campo, Maringá e São Paulo, mas todos fora de seus lugares, todos longe de suas origens, todos também de óculos e lambuzados, todos na cena inédita.

o escritor se acha a pessoa menos egoísta desse mundo (ou pelo menos a pessoa egoísta menos velada desse mundo) e anda refletindo sobre o egoísmo que tem a ver com Narciso e com ele. é uma ligação não direta, não é um fio que vai de um ao outro, mas é aquilo de os olhos ficarem se fitando no espelho, como a Tereza do Kundera faz para procurar sua alma. só que o caso do escritor é um pouco distinto: ele sofre é de procurar um pouco de si nos livros, nos filmes, nas canções, nas filas dessa vida. e isso o aflige porque, no meio do mesmo, ele sempre busca, busca, busca e nunca encontra; e o pior é que nem sabe muito bem o que busca, se é mesmo a si mesmo ou se é o mesmo, mas um outro mesmo, um mesmo ele quer por perto até o fim de seus dias, como dizem os poetas.

[no dia seguinte da primeira rejeição, David acordou confuso. a janela entreaberta, a persiana fechada, as portas do guarda-roupa escancaradas e um pouco de luz iluminando a metade inferior do quarto. sentiu uma vontade incontrolável de mijar.]

8.1.08

o xampú e as terras

eram frascos que pareciam garrafinhas, e as cores hoje me lembram os anos noventa. eu não entendia muito bem o que era o aloe vera ou a camomila dos rótulos, mas gostava de massagear meus cabelos com aquele xampús do snoopy. tinha o rosa, o amarelo, o azul... não me lembro bem de todas as cores, mas sei que não me apetecia muito o azul. deve ser estranhamente porque não existem comidas naturalmente azuis... refletia sobre isso desde muito cedo; umas das maiores questões da minha vida era se existiam frutas azuis-azuis. eu chegava à conclusão de que, não, elas não existem. mas, quando cresci um pouco e já tinha alguns pelinhos, descobri que existe blueberry. sei lá, bagas azuis. mas nem são tão azuis assim, vai.

eu corria na rua calçando chinelos, mas meus pés ficavam pretos mesmo assim. não sei como. e eu andava de bicicleta, de patins, tentava pular muros, jogar queimada, roubar frutas. e suava. eu tentava ser um moleque da rua, mas era pela metade, porque fazia as coisas de mal jeito, ou incompletas, para tentar não ser mau naquele mundo de divisões. chegava em casa e me lavava com o snoopy, e meus olhos nem ardiam. o gosto do xampú também nem era tão ruim assim; é daquelas coisas que uma vez na vida precisam ser sentidas.

nos tempos do xampú do snoopy, eu não me preocupava com tanta coisa que me cerca. ainda mais coisa-gente, essa coisa meio estranha que cerca todos no mundo, quase como uma uma cerca gigantesca maior que a muralha da China, demarcando uma fazenda mais gigantesca ainda, meio onírica, ora de terras improdutivas, ora de terras férteis, que às vezes é invadida ou ocupada -- dependendo de como se vê -- pelos que não têm terras, ou pelos que as têm e querem ter mais, mais e mais e experimentar todas as cores e texturas de solos existentes, como se existissem fazendas de argila, tchernozion, latossolo, terra-roxa. uma vontade obsessiva de querer ter e ser todas as terras, viver em diferentes fazendas, ser regado por diferentes águas de diferentes chuvas de diferentes céus de diferentes continetes de diferentes planetas.

minhas terras são meio afastadas, e nem sempre invadem as minhas cercas. de vez em quando, quebram alguns fios de arame farpado e tentam entrar, mas a maioria se vai embora. e eu permaneço em minha província; mas não agüento muito as minhas raízes presas na terra e me vou, inicio uma jornada de busca eterna, mas não invado outros reinos. prefiro avistar de longe as terras de outrem, tudo na metade, como nos dias de xampú em que eu era moleque pela metade. e não há quem me diga que o meu reino é onde os olhos alcançam, como no desenho da época do xampú, porque eu olho para os outros reinos de outras cercas e todos eles me apetecem, e todos eles eu chamo de meus reinos, e todos eles eu quero ter. não são reinos azuis, são rosas, amarelos, têm cheiro de xampú do snoopy, e eu caio por todos. olho de longe, tento me ater, eu tento me adequar, eu tento ser moleque de rua do avesso, mas eu não resisto e começa a se mexer no estômago aquele meu ente de ânimos aflorados, de revolução, de minha mão esquerda que é a que escreve, e eu corro para frente, eu toco no arame, eu tenho medo de me cortar, eu tento invadir, ocupar, e eu também abro as porteiras de minhas terras, talvez seja bom que elas sejam invadida às vezes, que alguém se ocupe delas, talvez a ocupação seja válida, talvez consigamos alcançar nossos objetivos, xampú para todos, mão esquerda para todos, muita terra, muito pão, muita paz, muito amor.

amor mesmo que o amor contradiga nossa vida.

7.1.08

"ano novo, vida nova"

bem. e um texto não postado.

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