27.6.08

Novelo
Se alguém pudesse me contar por que é que tudo é como é, eu daria um picolé, não de limão, mas de champanhe com doce de leite e coberto com casquinha crocante de chocolate – daqueles que você morde e os três sabores se misturam e que nem existem mais. Se alguém pudesse me contar por que é que eu pergunto tanto, não respondo nada, duvido, reflito, dou voltas ao encontro do meu próprio rabo, tal qual o Miguel da dona Márcia, eu daria o sorvete, daria mesmo, ou até sentaria naquela mesinha de madeira em frente à porta de vidro, tomaria uma água, secaria as mãos num guardanapo de papel e conversaríamos por algumas horas, até irmos caminhando até a livraria escura, escura, escura.

18.6.08

a estrututa

saindo do carro com dificuldade em mexer o braço, me perguntei por que levo o mundo para o mundo. por que, desde não sei o quê, eu saio de casa com tudo o que não preciso. é que eu segurava o ipod, a chave, o celular, o jornal e mais três quartos do mundo nas costas -- e um agasalho pendurado em alguma parte de meu corpo. não dá, não dá. deve ter sido a fome, ela me fez voltar para casa. a fome é a mais antiga forma de poder, ela pode também ser considerada a estrutura maior que nos guia, mais que tudo, mais que xamã, família, linguagem. se fosse por aquilo outro, talvez eu tivesse chegado lá, não tivesse me perdido nas ruas de nomes estranhos e casas híbridas. a fome como mãe.

13.6.08

muitosdefidel

foram litros e mais litros, e a busca segue. o chá verde com gengibre e laranja mais o jornal na primeira vez em que o objeto se tornou o objeto, e me vesti com mágica para ser visível e invisível, assim eu deixava de ser eu enquanto eu era eu, da forma que faço quando se aparece em meu caminho, ou se está na diagonal – coisa mais fácil desse mundo, ainda mais nas tardes em que resolvo fazer grifos.

foi com cervejas que tudo continuou. dessa vez, não se cruzava nem se vinha na diagonal, mas eram voltas, círculos e quadrados, quando não se ficava de longe, olhando pouco, tomando também, e eu reconhecia com olhadelas para os cantos, nunca nos olhos, e assim via o casaco, o cabelo, os sapatos, mas não os olhos.

12.6.08

dia dos namorados

não tem coisa mais bonita nessa vida que casal na motocicleta. não-pessoas pelo capacete. o jeans, a bolsa dela a tiracolo e sempre, sempre uma jaqueta.

de resto, já não sei.

10.6.08

filme sozinho

quando domingo anoiteceu, pensei em você no sofá. tem a cor daquela minha camiseta das tardes de sábado, e meu corpo era todo confundido. minha cabeça como que flutuava nos seus dedos que aravam os cabelos, tentando fazer sulcos.
momento em que não tem sentido perguntar para que é que serve a vida.

nos dias da semana, percorro tantos corredores e vejo tanto que nem sempre faz um sentido. lhe digo no banco do carro que nem tudo tem sentido, mas a verdade é que eu continuo buscando um, ou alguma coisa que se disfarce de sentido quando, nas noites, olho pelas janelas e vejo você nos cabelos e nas outras janelas, nos adesivos dos vidros e nas ranhuras das peles.

tem dia em que o ceú fica tão bonito que eu digo que a vida é feita para ver o céu, e eu digo que eu queria falar lugares-tão-comuns tão bonitos assim, como ele, como você, até o fim dos meus dias

8.6.08

3 x 5

Quinta-feita e mais carros na rua.

Perto de casa, os homens com as melhores calças e com latas de leite ou cervejam chegam às dez. Demoram no máximo vinte para chegar. (Lembra mamilo.)

Eu, a essa hora, estaria me arrumando para viajar por no mínimo meia hora e ir beber líquidos doces em copos plásticos com canudo colorido. (Fios de cabelo.)

Mas eu voltava das aulinhas de inglês. Acaba quase às dez, e há culto na igreja. Mais carros na rua. (Pés. )

5.6.08

baunilha

deu vontade danada de vestir o casaco e andar até o café. lá é tão quentinho, e o meu mocha vem com um coração de espuma de leite estampado.

mas a colherinha assassina todo o coração, que se desmancha inteiro quando se adoça o café.

o doce deveria deixar o coração intacto, afinal, quando a gente não tem coração, a gente é amargo, não doce. pelo menos é o que sempre me disseram, desde os três.