30.7.08

aquela estação tinha nome português. não um daqueles nomes que eu dizia serem portugueses aos 14 – era um português mesmo. só as pessoas que não pareciam nada ibéricas. uma delas foi a nipônica mais fofa que já vi. talvez fosse chinesa, coreana ou até mesmo portuguesa, mas o fato é que ela fugiu da pomba de maneira fartamente pueril – e é isso que importa.

eu descia a rua procurando um café e lamentando porque não havia chegado mais tarde, até o momento em que me censurei e falei que deve ser assim a partir de agora. apenas não me contive na hora da busca do café, que foi mais uma busca eterna -- assim como tudo que faço.

preciso sentar, escrever um pouco, cair na realidade.

a realidade era de mercadinhos mais fofos que a nipônica e de mais nipônicos – ou chineses, coreanos, portugueses – entre barracas de fruta e restaurantes minúsculos com chawans e hashis.

café hoje foi com açúcar, e houve, sim, amores breves de metrô.

9.7.08

Lingüística

Quando, no ônibus, vi os pés cobertos, disse que os beijaria. Disse a mim mesmo que beijaria os pés e todos os pontos daquela palavra. Percebi, nessa fração, que beijaria os pés e todos os pontos de qualquer palavra oca, qualquer palavra que fosse um tudo e um nada, feito tudo, nada, mas, porém, todavia, contudo, ou aquelas mais vazias ainda, porque, te, se, lhes, vos, me jogaria em seus braços e sentiria o gosto de letra por letra, diria que estou triste e precisando de cada pixel, pingo de tinta, fibra de papel, porque, se fosse uma palavra embebida de significado, coração, pêlo, casaco, eu não iria querer beijo nenhum, eu iria querer sentar, chorar, ouvir Neil Young, esfarelar letra por letra.

5.7.08

há muito tempo eu te olho e, sabe, falar isso agora, aqui, assim, não é fácil não, você pode perceber porque eu tô falando assim, meio rápido demais, ou assim, meio enrolado, meio atropelado, ou, sei lá, talvez eu esteja falando da forma mais clara possível, que é como eu falo quando tô querendo me organizar mentalmente, mas, enfim, é isso que eu queria falar, que há muito tempo eu olho quando você passa, você deve saber disso, porque quando a gente tá quase do lado, poucos metros, eu olho pra baixo, finjo que não vejo, mas eu percebo que você olha, não sei se a gente tem uma espécie de olho ou de sensor nas costas e no pescoço, mas eu consigo perceber que você também olha, isso também quando, sem querer, a gente olha na mesma hora um pro outro, tipo aquela em que eu tava sentado na mesa e você passou, eu que lia uma linha e depois olhava pra cima do papel pra ver quem passava, ou, mais preciso, pra ver se você passava, e você passou e olhou, igual aquela vez em que eu tinha acabado de tomar banho e mal imaginei que você era você quando eu vinha andando e quase me assustei quando reparei naqueles olhos assustados, que, confesso, ficaram feios, você não fica bem com olhos assustados, pena que foi só assim que a gente se viu bem perto, porque nas outras os olhos eram perdidos e até meigos, meio igual quando você estava no banco escutando música e eu, como sempre, carregando as minhas coisas, e agora que você vai embora, mesmo eu sabendo que é um mês que você vai gastar fazendo aquele trajeto que eu descobri qual é, eu fico meio triste, porque eu gosto do jogo de passar e olhar, ou de sentar e esperar passar, mesmo que o jogo não tenha fim e não leve pra nada, porque toda vez que se tentou levar pra algum lugar não deu certo, tipo quando foi o tempo das artes ou das listras, por isso é melhor não caminhar, um caminha, outro pára e olha, é assim que a vida funciona, fazer o quê.