26.11.10

cabeça

'parece ouro preto', ele disse.

'nunca estive em ouro preto', eu disse.

e um mistério foi encontrado. primeiro, uma porta. depois, dois corpos. então, muitos e muitos e muitos mistérios mais.

confessei: 'gostei'.

e uma luz de não se ver bem. ao menos, escutei minhas canções prediletas. 'me lembram são paulo.'

mas dizem: aquele lá é do tipo de fazer esquecer da cidade. basta fechar os olhos.

eu digo: 'lembro de você, daqui de são paulo'.

6.10.10

Subterrâneos

– Como você faz pra deixar a barba assim, certinha?

– Oi?

– Como você faz pra deixar a barba assim? – repete Ele, mais alto.

No bar, um escurinho mixado com som alto de rock e três gotas de eletrônico. Tintins com vidros de martíni. “Saúde.” Misturas caras, de quase-nunca: gim inglês (Londres), purês de frutas, azeitonas nos espetos, alcaparrones pelos cantos.

NEle, medo número 1: ao falar alto, fazer doerem os ouvidos do Outro; medo número 2: cuspir nas têmporas do Outro com o aumento incomum de volume; medo número 3: deixar o Outro irritado com o teor pessoal/cosmético da questão.

Mas Outro é simpatia:

– Como assim, você não sabe fazer a barba?

E fala achando um pouco de graça. Pelo menos é o que sinaliza seu meio sorriso. Indecifrável é o sotaque.

– De onde você é? – pergunta Ele, com mais algum tipo de medo: o de a pergunta feita ser recorrente na vida do rapaz e, desse modo, aborrecê-lo.

Mas eram fragmentos de medos: vapores de medos que vêm e logo se dissipam – fica só o perfume. O medo ele mesmo permanece embaixo, preso.

E só eu sei: "de onde você é" soou melhor que "d’onde você é" que melhor seria que "você é mineiro ou carioca". É que o Outro tinha um quê de mineirice – uma, talvez, fofura-doce-de-leite-clarinho, se é que isso vem ao caso. Mas havia também uma raspinha de tacho de doce de leite mineiro de barba roçando universal de leve sotaque carioca [encaixe aqui].

Rio. Do interior do Rio, talvez.

Foi então que Outro respondeu que era capixaba, de uma cidade que poderia também ser chamada de Outra.

– Ah, já ouvi falar... – e não era mentira.

28.9.10

memorável

confesso que não tive tempo de pensar em você, senão naquele ínterim entre a conversa e a minha chegada de destino. no meio de um ou dois cochilos. nas trocas dos olhares entre o mesmo verbete e a avenida. e a outra avenida. e a outra outra avenida, tudo contra a tarde quente/seca/de espera. você olhou no meu olho, sorriu com a pálpebra. não consegui dizer nada. só pensei no seu lábio que constrói uma fala objetiva. no seu olho de você meio curvado, um fechado, outro aberto. no seu dedo sobre o botão. você dizendo sou mais cinema ela mais comercial. você dizendo você é o mesmo de ontem. você dizendo.

[s. paulo, v. nova, liberdade, l.a., umeboshi]

7.9.10

flamingos, 2

uma música do lado de lá de cima, os fones públicos, olho no cd, de olho em você na livraria, tudo isso tão fora de moda, e a saudade de ficar sentado ali a tarde toda, sem esperar nada.

visita

quando desço sua casa, a bahia já chegou.

eu, que pensava que sua morada, pelo nome, era sergipe mais bahia.

o carro parou, e eu caminhei por terras nunca antes caminhadas - vim de longe.

é o xampú, o caso bom, o pé descalço, você sabe.

e os pneus, que passam por caminhos nunca antes explorados. e a padaria, que não é a mesma da infância

20.7.10

ocidental

a gente se conheceu na bahia.

nada de malagueta/dendê. talvez um pouco de café, espuma de leite, pó de canela, guardanapo de papel.

lembro até hoje: logotipo de padaria carimbado em celulose.

falo como se tivesse sido na última década: lembro e até e hoje. os relevos da sua mão, lembro até hoje. uma bênção.

clique de elevador e a viagem por bahia e - brinde - sergipe - tudo no mesmo prédio.

- faça você o café, anfitrião. aqui não é a minha casa.

sua morada a algumas milhas. é só fechar os olhos, seguir a música - fica do ladinho do rio.

meu carro lá (prolongado) embaixo.

não há quarto de hóspedes na bahia.

-

o sem-número de passar de olhos pela estante: encontro de gerações.

sobre a pelúcia: felpudo, aconchego, baixa luz. você em outro território: terra-cozinha. meu medo: parecer piegas, mas o trecho é válido.

poemas. r. piva.

alta voz, eu tento.

você introduz, te introduzo: poeta para mim, jazzista para ti.

-

não gosto muito de quando ri. vodca mais café? meu jeitão.

dos goles de vinho.

do saca-rolhas emprestado - toc toc.

-

os livros de arte sobre a mesa, jogamos todos.

sua doutrina arquitetônica: agradeço as aulas.

um passado não muito distante. um não-número no celular.

simples assim.

7.7.10

à moda de

a noite está fria do jeito que você gosta, eu sentado sozinho à mesa como você não gosta - e só consigo pensar, nessa noite, sobre o que você gosta ou desgosta. e eu quero saber se você ainda gosta.

o entorno desinteressante de: garçons burocráticos, homens que olham para baixo, televisores sem som, assoalho de madeira. dentro desse casaco, tanto tempo que não visto, você parece aqui. eu caio na questão de quantas coisas você realmente gosta ou desgosta.

escrevo listas mentais, sem coragem de transportar para o papel da caderneta de cor vermelha, e descubro que o passado foi de gostos e desgostos - pela roupa preta, pelo cabelo bagunçado, pela carne ao ponto, pelo o que não é proibido fazer dentro de casa quando chove.

desculpe, garçom, mas salada não. essa é noite de comida de mãe.

26.6.10

fim e dia

você bochechas rosadas porque bebeu. semi-cachos semi-desfeitos. camisa um pouco aberta, mangas meio soltas. estacionou onde não devia, correu pro caixa, água geladinha de garrafa, caso urgente. dia não fácil. ou não fácil por demais fácil. têmporas suadas levemente, a vontade de pensar em nada.

nós. duas (quantas?) garrafas de vinho de improviso. um conta do gosto, outro desconta com gosto, e nenhuma (graças!) aulinha sobre cepas. terroir. vodca feito água, menininha com vinho. a conversa, de longe, mais idiota do universo. urgentíssima.

um ponto, dos de vista. mais um, dos de nascença. te chamo pela primeira sílaba. passo a mais.

21.6.10

CHAI

A busca de um papel não tão limpo (ou nada limpo) e o passeio pelos quadradinhos da blusa dele.

Subir naquele carro foi como viajar para perto e parecer tão longe – até esqueço de onde vim.

Me vejo com fones nos ouvidos de ouvir conversa alheia. Na história do anônimo em mesa de café – conheça dez lugares para o primeiro encontro, veja roteiro.

Uma conversa de início de conversa, você sabe: o último namoro, os velhos namoros (caso existam), o bairro de nascença, a casa dos pais, as aflições mais belas de serem ditas.

E as perninhas, que peregrinam pelas linhas da camisa dele, quadradinho por quadradinho, até dizer chega – e chegar nunca chega.

Meio deitar na cama do quarto ainda infantil no sábado à noite – filme na Globo àquela hora – e imaginar o frame-por-frame. É um pouco voltar o calendário. Tão bobo que esqueço, a cada cinco minutos, o que ia escrever – e, olha, minha letras tá até certinha!

De novo aquele gosto: um sem-número de especiarias. Os próximos quadros são do mistério, mas só se anda e tal. E que seja bom, bem bom. E era para ser triste, bem triste. Sabe, mas fica até meio doce. Não tem como.

um sorriso

seu rosto que virava, e o meu que virou em 180º.

eu parecia patinar naquele piso, eu parecia esquecer de mim, eu, hoje, estados acima, sobre, não sei o que você quis me dizer. se é que.

o meu rosto que vira para o ombro esquerdo, os seus olhos que não se fecham. nenhuma palavra é dita. jamais.

as duas felicidades noturnas - todas, todas esfumaçadas. eu sorri de tão feliz, riso de dentro, não consigo lembrar bem. nada.

é ao acordar. de novo. uma fotografia feita de açúcar. se desfaz.

14.6.10

bar do velho amigo

eu mordi o seu escapulário três vezes para saber onde isso ia dar. falei que ia arrebentar o escapulário com os dentes, e deu na gente seguindo o mesmo caminho por horas e horas e horas, quando hora não é tão hora e caminho não é tão caminho. quando pergunta o que estou bebendo, você passa a figurar na lista de gente que admiro, porque é a única pessoa que não faz cara feia depois do primeiro gole. dançamos, você quer saber o nome da música e, então, se cala, você não sabe que eu não gosto que falem tanto em algumas horas, a não ser que eu não faça nada e você apenas fale, mas você nada mais diz, e eu não consigo dançar nada, ouvir nada, cantar nada, porque meu desejo é outro: é morder o escapulário até arrebentar, colocar para derreter na boca feito bala açucarada. eu critico caipirinha de saquê de frutas vermelhas, 'i gotta feeling', seu signo, radiohead, john neschling, eu elogio pedro, glória e percebo que a hora é hora de não estar ali, por mais que hora não seja hora e, em um instante, já estou a bons metros, uma cerveja em garrafa encapada, um senhor simpático que serve fogazzas, me pergunto se aquilo não seria algumas horas antes, me vejo com um escapulário no bolso e subo, a pé, ladeiras escuras, bairro tradicional, antigo, histórico em nome de livro, eu procuro você por entre as casas com paredes que se perdem com o tempo, eu mordo de novo o seu escapulário, bem forte.

31.5.10

Andy Warhol e seu discurso sobre a fantasia

Eu desembarquei na placa do lado, e então vi como uma palavra esquecida poderia fazer toda a diferença na estação.

Quando, enfim, se acabam os infortúnios citadinos, eis que você, você, com toda sua pose no plano do alto, mas ali gente como eu, de malha de frio, me brota no caminho. O vento quase não deixou ninguém sair de casa, mas, mesmo assim, todos ostentando seus guias nas mãos esperam educadamente em filinha indiana.

E, se anos atrás perguntei quantos quadros estes olhos viram enquanto os tempos desenrolavam e duas vidas também, tive pelo menos uma certeza naquela tarde: a de que nossos olhos passavam pelos mesmos pontos. Um colorido acolá, meu olho aqui, o texto em inglês e em português, aquele famosão em que todo mundo se aglomera, e agora é hora para desenterrar o idioma – nada de gente sobre gente.

Eu esqueço de te perguntar qual é o melhor caminho, porque, nessa altura, a Bela Cintra já não é mais Bela Cintra, e o trajeto do metrô é de três minutos e pouco. Cabe a nós o passo ante passo até as Minas.

Não entendo muito bem, a gente senta no banco em frente ao café. Eu já não sei mais quem passa por essas bandas. Acho que é a hora de a gente conversar.

17.5.10

missiva

antes de você me sorrir naquela noite eu já não sentava no meu banco há meses, mais de ano, eu já não lia mais os mesmos autores que ficam mais perto sobre riscos tortuosos de grafite, que vira diamante forte, forte, quando vem você, forte, eu percebo e pulo da minha linha e ouço seus pés, um, dois, um, dois, um esmagar de folhas mortas, aí você me sorri de novo, uma pausa no autor 1, vamos para o autor 2, mas uma passadinha anterior no cenário 2: toda madeira desse mundo que aquece, eu escrevia, e um capuccino que não tem par, tal qual você e eu, e aquele pãozinho que deixa o forno, centeio, ervas, limão siciliano, azeite, pão de twitter, eu gosto mesmo antes de olhar, você não sei se antes ou depois, você com ruguinhas dos dois lados, vai ficar pra sempre aí, tende a, digo, um risinho, esquece isso, sem autores, cenário 3: o nariz que peregrina por entre os fios do rosto, juntos o tapete da sala, eu me perco, não sei mais quem, olho para fora, imagino como seria ver a cidade do prédio vizinho, quantos metros tem daqui pra lá, essa carta que você nunca lê eu deixaria o vento mais forte do jornal levar, levar, eu vou deixar.

2.5.10

saladinha de repolho

ele lê a bravo! sozinho na lanchonete. devora o hot dog que chamam de vira-lata: pão francês no formato de pão de cachorro quente, salsicha com leve sabor defumado, saladinha de repolho que lembra um vinagrete, gorgonzola de sabor pouco pronunciado. o não uso dos grandes molhos ajuda-o a sentir todas as "camadas" do sanduíche. o sabor do embutido predomina, e o pão, borrachudo, entristece a refeição. se não há como conseguir pão fresquinho à 1h da manhã, que não sirvam o lanche à noite, pensa, no alto de uma longa mastigada. é nessa hora que, faminto, o desconhecido conhecido adentra o lugar. a noite está fria, o recém-chegado veste aquela jaqueta preta que tira do closet no quase-nunca. senta ao lado, pergunta como anda o trabalho e pede sorvete. ao lado, o leitor de bravo! comenta que não gosto muito de sorvetes. só de alguns. aí o de jaqueta pergunta como vai a vida. se fosse famoso e pedante, ele responderia que não fala sobre vida pessoal. mas engatou a discursar sobre sorvete de doce de ovo. e sobre a saga do licor de ovo. depois, sobre sorvete salgado. fim.

15.4.10

celebration

a gente faria de tudo para tudo dar certo se soubesse o que é dar certo. até sonhar seria mais fácil.

aí a gente elege o filme, a peça, o livro e os dois goles de café.

continua.

27.3.10

era de ouro

de sábado para domingo numa sala de cinema, na companhia do meu ator preferido, um ou outro gole d'água e duas lágrimas antes do the end. comigo esse tipo de coisa não vem: o amigo me disse que chorou tanto no final de '500 dias com ela' que a mulher do lado perguntou se tudo estava bem e até o convidou para ir a um bar depois de lá. eu, por minha vez, sou entusiasta das fileiras vazias, o que não é difíil de se achar de madrugada. sempre gostei assim, desde os 16. ônibus, taboão para o top cine - e foi lá onde tudo começou: rohmer, raspadinha, visita à livraria, viena, duas gotinhas de lágima (artificial) em cada olho para as lentes de contatos. depois que acabou, no sábado depois, tudo que eu queria era conhecer o le jazz

17.3.10

talk

de quando você para o carro no meio da rua para que o outro desça e escale a morada. o horário não é de se ter emissora no céu ou no chão patrulhando o trânsito, mas um ou dois veículos querem que você siga em frente. de quando não há o que fazer além da descida, saída e batida de porta, findada a fala do até a próxima, mas não há menção de que o outro vá abandonar o veículo. de quando o som está baixo, mas você é capaz de reconhecer o roquezinho do mar do norte que nunca quis dizer nada demais e hoje passa a dizer tudo demais. o carro treme com seu pé vacilante na embreagem, a mão ainda no volante, tremelicando ritmada, bem de levinho, sua cabeça voltada discretamente para a direita, os quatro olhos que brincam de dançar o silêncio, e você se esquece, por ora, da marcha engatada em primeira, e logo o outro mostra o desejo de terminar de contar a história de virada de poucas esquinas atrás, e você estaciona de mau jeito em frente a garagem alheia, já que, àquela hora, ninguém vai se importar mesmo, e um conto é exposto com a maestria de um narrador que sabe a mágica de envolver pelo olhar, pelo sorriso, pelas ruguinhas dos cantos dos olhos, ao mesmo tempo em que, um tanto alheio, você sorri, consente com a cabeça, faz um ou dois comentários curtos, mas sua atenção dispersa, ora no volante, ora na boca ao lado, ora na música de fundo, ora no entorno sombrio, tornam a sua própria manejada de cabeça e a constante aproximação do outro quase imperceptíveis, dois corpos que vão se atraindo com a sutileza do passar do dia: quando se dá conta, tudo escurece - ou clareia de vez. de quando você esquece que tem carro, música, garagem e domingo, de quando desaprende que você é você e que o outro é o outro, de quando um brilho chega de cima, os olhos se fecham e vem um mergulho que dura um mar sem fim.

9.3.10

Goma e água morna

Sob a água foi a questão: conhecer de interiores quase mentiroso. Um jogo. Tão bom. Segundo sua boca, já não havia mais novos sabores e cores de bolotas de chiclete para a gente conhecer. Você desceu, fui junto. Você sumiu, eu também. Você voltou, eu precisei ligar e saber se ela já voltaria. Tão gostoso. De grudar a vista.

3.3.10

neorrealismo italiano

um coçar de som áspero. no escuro. uma barba que custa a ser extirpada. no claro, eu vejo sua letra: algumas pontas, ls grossos e pontudos, linhas que escapam das linhas e dão quase uma volta. você é do tipo que gosta de cadernos grandes e com pauta. e eu rio - por dentro, porque, do seu lado, o silêncio é de ser absoluto -: você pula quatro linhas para começar a anotar a aula - por mais que a página seja continuação da anterior - e faz tudo direitinho: dois dedos, parágrafo, letra maiúscula; até fico meio sem jeito nos raros momentos em que (penso que) você vira para mim e olha a minha letra, toda bagunçada, toda sem pauta, sem parágrafo, com flecha, grifo, rabisco. mas você gosta de rabisco que eu sei, e de uma cor só de caneta - bic preta, seco assim - que você guarda no bolso da mochila, nem estojo você tem. e nem leva nada na bolsa, eu percebo quando você a joga no chão. no máximo, um guarda-chuva xadrez nestes dias de janeiro molhado. uma vez você saiu bem primeiro e fechou o portão, eu estava bem atrás; depois, quando saí, você olhou, daquele jeito. e eu gosto do jeito que você fica preso na sala de aula, não desce nem para um café, banheiro, água, eu até me sinto minha mãe com o café pra lá e pra cá, falta um cigarro que complete, e eu nem fumo, nem você, uma bênção, me empresta suas anotações que eu me atrasei pra aula, e que bom que você não me enche o saco de tantas vezes que eu me atraso - é o trânsito, a mãe, o pai, o cão, o dilúvio, a irmã que usou o carro, você sabe, a vida fica cheia de entraves de vez em quando. mas você prefere ficar jogando no celular em vez de falar qualquer coisa comigo, por quê? e por que eu prefiro fingir que leio o jornal em vez de falar qualquer coisa com você? assim fica mais difícil, eu vejo os pobres haitianos e soldados e volto ao mesmo parágrafo, vou, volto, olho para o lado, essa leitura não continua, e o professor volta para sala, e é a vez de eu me voltar pra ele e depois pra você. e, uma noite, aquele chuva que me fez correr pro carro, e você a continuar na rua, contra-mão, e eu a procurar pelo guarda-chuva xadrez. tem de ser por aqui, entre angélica e pacaembu, grande mancha, você pode ter ido pro ponto de ônibus alternativo, pegar carona, comer na padaria, mas eu sei que você foi andando. mas minhas investigações não funcionam muito bem. eu pensei que você ficasse com games e mais games em casa, mas não é assim, você tem um quê de comum, facebook, msn, vamos ver o filme que o professor contou hoje, amanhã augusta, francês novo, depois tem aniversário da Mônica, vamos?, cara, tive prova de emprego ontem e só dormi duas horas, não consigo mais dormir cedo, cara de sono, suco de laranja e torta salgadinha na padaria da esquina, e na livraria da esquina, você já foi?, são apenas quatro aulas para o fim do ciclo, e eu me lembro de quando eram muitas semanas, um ano todo, era mais fácil assim, mas eu tenho medo de ser rápido assim, como meus amigos são: supermercado, praia, pier, guanabara, camburiú. eu me reservo ao meu direito de ficar calado, você se reserva ao seu direito de espalhar um tanto de paixão pelos cantos da cidade que eu aumento o volume do rádio no carro, a chuva cresce, eu não posso correr e os vidros não podem embaçar e o celular toca, treme no bolso da coxa da calça, e uma luz real, sem luz artificial: plano aberto, corte. o corte faz o direitor. e o texto continua.

2.3.10

finally

- eu gostei daquela noite em que você me desenhou - ela disse.

um ano que não se viam. ele parecia ser do tipo que esquecia fácil das coisas.

- é, não lembra? no encontro das ilustrações. foi num boteco da augusta, com seus amigos. todo mundo com caneta colorida, papel manchado de cerveja... até eu entrei na dança.

ele, finalmente, se lembra. a menina acha aquilo tudo esquisito, mas é sequestrada do mundo, de novo, pelo sorriso dele.

- por que a gente não se viu de novo, né?

ele pisava no pé da menina de vez em quando, bem de levinho. ela gostava da brincadeira.

ele falava das coisas da vida dele. ela, das coisas burocráticas do mundo dela.

ela podia beber três drinques que não ficava soltinha. ele, sim. o pegar no cabelo dela foi o sinal.

- por que a gente não vai lá em casa assistir mais um do ozu? você, que é toda do cinema... tenho vários japoneses, lembra?

ela não prestou atenção e pediu mais um drinque.

19.2.10

whigfield

sonhei que te vi na plateia, mil cabeças pra lá, e você estava a beleza assim. eu teimava em não virar a cabeça, mas era impossível não querer ver se você ria nas mesmas partes em que eu ou se chorava quando me dava vontade --e eu forçava para manter a pose.

depois do espetáculo, fui à pizzaria, mil bloco pra cá, e lembrei da primeira e exclusiva vez em que estivemos aqui. não houve outra, e me arrependo de não ter aproveitado todo segundo, porque, vez ou outra, eu precisei me levantar para ir ao banheiro ou falar ao celular.

após pausa de 4 horas, volto ao espetáculo e você está no assento ao lado do meu. minutos depois, a gente troca de lugar.

5.2.10

J espanhol

Você disse, com toda a pulsão dos tempos jovens: vem pra cá. E cá é de outro lado, não do outro lado, e leva algum tempo de deslocar, não propício a esta hora da manhã, enquanto todos estão acordando e nós, só nós, nem fomos dormir. Eu, como reprimo toda a pujança juvenil, digo que não, não dá, deixa pra amanhã, vamos postergar o máximo, colocar na gaveta, tirar de vez em quando – eu não entendo como funciona mesmo. Um dia eu conheço o apartamento na famosa praça, com outros prédios rodeando, mas hoje não posso, e amanhã não sei, vamos nos falando por telefone, pode ser? E lá me vem: mas aqui eu tenho o que você quer, e você tem o que eu quero, simples assim. Mas, se nenhuma das roupas serviram, por motivos diversos (odeio ‘diversos’ como esconderijo da verdade), você tem o que me vestir, e parece fácil assim. Comidinha da mamãe, comidinha da manhã, dois lados, e eu sempre querendo saber mais do que devia: desenterrar/enterrar/escrever/recortar/colar e as perguntas absurdas - respostas óbvias demais ou inexistentes demais. Eu juro que anotei o celular, amanhã te ligo. Não sei a hora, não sei a que hora vou acordar. E, então, você se vai como um desligar de ligação. Fica um bip bip bip e, depois, silêncio. Espera eu acordar, vou ser outra pessoa.

30.1.10

fase amarela

ela ensinou tudo.

- realismo poético vem antes da nouvelle vague.

ele contou: quando ela disse 'nouvelle vague', deu vontade de escutar 'garota de ipanema' na versão los hermanos.

- mas eu passei no cpe.

ela gostou porque ele passava os intervalos com joguinhos de celular. acharia chatíssimo alguém lendo o caderno 2 ou a ilustrada como ela. ou com gole de café como ela. ou um chá gelado. como ela. o máximo foi uma barrinha de chocolate - o que ela considerou o máximo.

a garota era adepta de cabelo preso mais tênis mais vestido. o preferido com losângos. o moço ia de bermuda e all star azul. eleita a discrição. uma mochila para cada.

- você nunca usa o mesmo vestido?

- como você consegue deixar a barba sempre desse tamanho?

na primeira vez em que foram ao cinema, ele achou esquisito ela rir nas partes mais estranhas.

na hora de jantar, ele lutava para não ficar tão calado, e ela tentava se segurar para não falar tanto. eram os 'jeitinhos'.

- quero dar aula.

algo informal. sanduíche enrolado, limonada com água de laranjeira, hortelã, cervejinha, beijo.

- rohmer é o meu eleito.

27.1.10

22h29

Foi um olhar. Ou foi um tecido, não sei bem. Fato é que você continuou em mim depois e depois.

Da primeira vez, foi um fechar de portão e um olhar tardio para trás como que um pedido formal de perdão. Mais tarde, uma espera e um sorriso. Foi a primeira vez que te vi sorrir. De frente.

A primeira vez que te vi sorrir de lado foi com a piadinha clássica. Não minha, é claro. Os verbos não têm lugar em nossa comunicação.

Eu reparo em cada ponto. Hoje você veio pela primeira vez com esse tênis. Gosto mais quando você aparece com o All Star bem limpinho.

Teve a vez em que eu quis ir junto com você. Ou quase junto. Mas não deu muito certo. Nosso nós se restringe entre a Pacaembu e a Angélica. Eu só não sei se a alameda é meio ou fronteira. Você gosta de sumir no escuro. Eu gosto de andar no escuro. Eu, eu também.

E escreveria sobre pequenos pães de queijo e capuccino, ar condicionado, barra da calça molhada em poça de chuva, cabelo de garoa. Eu não esqueceria de “A Doce Vida” de bobeira, quase 3 horas e filme e multa a pagar.

Mas eu sei muito pouco e penso em muito. Pensar e desistir. Melhor como está, até o início de mês, fim da temporada. Sem número de telefone, a receita é acreditar no transporte público e bares mais badalados.

Mas você é diferente.

Esse texto continua.

21.1.10

sobre a chuva

sobre a chuva, um céu de cor só: claro e escuro. sob a chuva, dois que se gostam ou que gostam da brincadeira. e o dia começa agitado: o rio corre e quase transborda, o repórter não para na ponte e as seis horas de chuva dão trégua.

eu acordei no meio delas, entre a noite e amanhã. não consegui dormir mais.

hoje, dois jornais para ler e, no depois, um bocado de assuntos para aprender. espero te ver por aí, em alguma esquina, de susto, sem guarda-chuva nem nada.

19.1.10

revista da folha

a água e o banheiro são os códigos para o ingresso. mas você não precisa mais disso. é por isso que não é de se estranhar tênis e meias no canto, pés no sofá, posições de conforto, frases desconexas. é só um macarrãozinho só com uma manteguinha e um queijinho e pronto, pode ficar aí no sofá, te levo. mas, como se é de código, a água é o momento mais demorado da cozinha - uma deixa para os dois. sobre tudo já se foi falado nesta noite - e há muito mais para isso.

de volta a cozinha, vamos ao capricho. escorre a água quente - ajuda a desengordurar a pia -, coloca na travessa, manteiga e queijo ralado na hora, cadê o ralador, meu deus, ele não vai aguentar de sono lá na sala, e rala o queijo, cheiro bom e não se precisa de mais nada.

na volta da sala, ele dorme no sofá e não acorda nem com a força de manteiga que se junta a queijo de ralo na hora. comer um só, então, e sem vinho. a noite vai ser curta. mas não se aguenta também e desfalece no sofá ao lado. novos baianos termina.

desculpa, desculpa, desculpa, desculpa. é assim o acordar no dia seguinte. e, que bom, ainda não é hora do almoço. vamos ao mercado, eu te faço alguma coisa, não queria ter dormido ontem. quando acordei no meio da noite, pra ir ao banheiro, e vi você no sofá, prato no chão, bateu aquela culpa. mas você não ia almoçar com sua vó? deixa pra lá minha vó, domingo que vem a gente almoça.

domingo aconteceu, mas sem nenhuma memória de guardar assim, de repente. fica a manteiga, o queijo e as desculpas. tá bom assim.

16.1.10

a 92

um automóvel, num dia como aquele, é tudo menos um automóvel. os ônibus continuam a passar com roupas comuns e desgastadas; àquela altura, pelo menos, a marginal é mais vazia.

e sempre tem um que troca as datas: bandas dos 60, coreografia dos 50; lady gaga, passos de bee gees; axé music temperada com corpos de underground.

também existem as bebidas funcionais. uma vodca boa, mas aguada de gelo e escondida em energético. o kiwi é fruta, mas sofre na coqueteleira. os passos com garrafas. tudo com uma intencionalidade. diferente de sentar - soft opening - e pagar.

foi nesse dia em que ela se apaixonou pela primeira vez por muletas. por mais que embriagadas e cobertas de gaze elas estivessem. quero andar com você num dia(,) claro, ela dizia a elas. vem comigo.

depois sempre tem um grandão bobão, o que era o sonho dela outra. e que cheiro bom. não que ele pudesse pagar uma bebida, mas era tão bobo, e ela tão boba que a mistura deu certo. mixologia.

e vem depois me perguntar - ou afirmar - se me conhecia. sim, eu conheço, mas conheço tanta coisa que desconheço tanto que vou te falar. é quando eu procuro o espaço para caminhar e cantarolo a canção dos 60 que o colega faz passos dos 50. depois disso, tudo dá certo.

9.1.10

véspera de véspera

lá do alto,

sua obsessão: olhar para o meu rosto. quase um roteiro não verbal: vem para baixo, sobe, mãos em minhas bochechas e um olhar que vem lá de cima - quantos centímetros sobre mim? depois, atrás, na frente, e mais meu rosto. eu, com milhão de perguntas abaixo, desisto.

tenho apreço por toda gentileza, que fique sabido.