31.5.10

Andy Warhol e seu discurso sobre a fantasia

Eu desembarquei na placa do lado, e então vi como uma palavra esquecida poderia fazer toda a diferença na estação.

Quando, enfim, se acabam os infortúnios citadinos, eis que você, você, com toda sua pose no plano do alto, mas ali gente como eu, de malha de frio, me brota no caminho. O vento quase não deixou ninguém sair de casa, mas, mesmo assim, todos ostentando seus guias nas mãos esperam educadamente em filinha indiana.

E, se anos atrás perguntei quantos quadros estes olhos viram enquanto os tempos desenrolavam e duas vidas também, tive pelo menos uma certeza naquela tarde: a de que nossos olhos passavam pelos mesmos pontos. Um colorido acolá, meu olho aqui, o texto em inglês e em português, aquele famosão em que todo mundo se aglomera, e agora é hora para desenterrar o idioma – nada de gente sobre gente.

Eu esqueço de te perguntar qual é o melhor caminho, porque, nessa altura, a Bela Cintra já não é mais Bela Cintra, e o trajeto do metrô é de três minutos e pouco. Cabe a nós o passo ante passo até as Minas.

Não entendo muito bem, a gente senta no banco em frente ao café. Eu já não sei mais quem passa por essas bandas. Acho que é a hora de a gente conversar.

17.5.10

missiva

antes de você me sorrir naquela noite eu já não sentava no meu banco há meses, mais de ano, eu já não lia mais os mesmos autores que ficam mais perto sobre riscos tortuosos de grafite, que vira diamante forte, forte, quando vem você, forte, eu percebo e pulo da minha linha e ouço seus pés, um, dois, um, dois, um esmagar de folhas mortas, aí você me sorri de novo, uma pausa no autor 1, vamos para o autor 2, mas uma passadinha anterior no cenário 2: toda madeira desse mundo que aquece, eu escrevia, e um capuccino que não tem par, tal qual você e eu, e aquele pãozinho que deixa o forno, centeio, ervas, limão siciliano, azeite, pão de twitter, eu gosto mesmo antes de olhar, você não sei se antes ou depois, você com ruguinhas dos dois lados, vai ficar pra sempre aí, tende a, digo, um risinho, esquece isso, sem autores, cenário 3: o nariz que peregrina por entre os fios do rosto, juntos o tapete da sala, eu me perco, não sei mais quem, olho para fora, imagino como seria ver a cidade do prédio vizinho, quantos metros tem daqui pra lá, essa carta que você nunca lê eu deixaria o vento mais forte do jornal levar, levar, eu vou deixar.

2.5.10

saladinha de repolho

ele lê a bravo! sozinho na lanchonete. devora o hot dog que chamam de vira-lata: pão francês no formato de pão de cachorro quente, salsicha com leve sabor defumado, saladinha de repolho que lembra um vinagrete, gorgonzola de sabor pouco pronunciado. o não uso dos grandes molhos ajuda-o a sentir todas as "camadas" do sanduíche. o sabor do embutido predomina, e o pão, borrachudo, entristece a refeição. se não há como conseguir pão fresquinho à 1h da manhã, que não sirvam o lanche à noite, pensa, no alto de uma longa mastigada. é nessa hora que, faminto, o desconhecido conhecido adentra o lugar. a noite está fria, o recém-chegado veste aquela jaqueta preta que tira do closet no quase-nunca. senta ao lado, pergunta como anda o trabalho e pede sorvete. ao lado, o leitor de bravo! comenta que não gosto muito de sorvetes. só de alguns. aí o de jaqueta pergunta como vai a vida. se fosse famoso e pedante, ele responderia que não fala sobre vida pessoal. mas engatou a discursar sobre sorvete de doce de ovo. e sobre a saga do licor de ovo. depois, sobre sorvete salgado. fim.