6.10.10

Subterrâneos

– Como você faz pra deixar a barba assim, certinha?

– Oi?

– Como você faz pra deixar a barba assim? – repete Ele, mais alto.

No bar, um escurinho mixado com som alto de rock e três gotas de eletrônico. Tintins com vidros de martíni. “Saúde.” Misturas caras, de quase-nunca: gim inglês (Londres), purês de frutas, azeitonas nos espetos, alcaparrones pelos cantos.

NEle, medo número 1: ao falar alto, fazer doerem os ouvidos do Outro; medo número 2: cuspir nas têmporas do Outro com o aumento incomum de volume; medo número 3: deixar o Outro irritado com o teor pessoal/cosmético da questão.

Mas Outro é simpatia:

– Como assim, você não sabe fazer a barba?

E fala achando um pouco de graça. Pelo menos é o que sinaliza seu meio sorriso. Indecifrável é o sotaque.

– De onde você é? – pergunta Ele, com mais algum tipo de medo: o de a pergunta feita ser recorrente na vida do rapaz e, desse modo, aborrecê-lo.

Mas eram fragmentos de medos: vapores de medos que vêm e logo se dissipam – fica só o perfume. O medo ele mesmo permanece embaixo, preso.

E só eu sei: "de onde você é" soou melhor que "d’onde você é" que melhor seria que "você é mineiro ou carioca". É que o Outro tinha um quê de mineirice – uma, talvez, fofura-doce-de-leite-clarinho, se é que isso vem ao caso. Mas havia também uma raspinha de tacho de doce de leite mineiro de barba roçando universal de leve sotaque carioca [encaixe aqui].

Rio. Do interior do Rio, talvez.

Foi então que Outro respondeu que era capixaba, de uma cidade que poderia também ser chamada de Outra.

– Ah, já ouvi falar... – e não era mentira.