29.4.07

cheguei em casa, tirei as meias, os pés respiram, esvaziei os bolsos, chiclete, moedas, carteira, papel, papéis, notas, chave. calça velha, calça folgada, camiseta branca - e velha -, sento-me, pensamento direcionado em um só algo. aperto os dentes nos lábios - a boca rachada. é esse frio que dá vontade de passear porque é muito mais gostoso sentir calor submerso em frio do que não sentir nada no tempo de lar. tem manteiga de cacau?

tinha cansado de escrever, talvez porque tivesse cansado de ficar com aquele pensamento direcionado. mas não deu. o frio me fez passar perto da sua casa de novo e lembrar da madrugada de pés no sofá, de cartas, de música esquisita, de suco de maracujá, de cerveja, de apresentações, de carona que te dei. não sei, às vezes fica tudo muito chato. eu pego um livro, eu sento no chão, eu bebo um chá gelado, eu deito no assoalho do meu quarto, eu babo no chão. eu tento ver um filme japonês, um documentário do Lula, pensar nele outro, fazer a dança da chuva. a civilização burguesa, a civilização do tédio, a minha civilização interna/insana/quero-dar-um-grito. e nada disso. não, tudo isso é muito ridículo.

16.4.07

foi em abril, com música, vodka barata; desmemórias

voltei pra casa meio assim, meio trôpego, meio moribundo, meio mole, meio olhos-secos, meio Chico, meio Banhart, meio rindo por quase tudo ou qualquer coisa. bem desse jeito mesmo. a voz mais grossa por causa da tanta gritaria, aquele incômodo na garganta e meu cantar esporádico, solitário; as mãos na direção. o sol já tinha aparecido e aquele era o horário e dia em que eu estaria, normalmente, indo, não voltando, se esse ano ainda fosse ano passado. eu desci e subi a Cardeal. à pé. eu pensei, pensei seriamente em te ligar, em ir pra sua casa lá do lado, bem do meu lado. não conheço sua casa de manhã. geralmente tudo fica mais bonito de manhã, e eu gosto mais das pessoas de manhã, mas de manhã bem manhã, antes das sete e meia. eu ia na sua casa tomar café e ver o jornal da Globo, mas desisti; àquela altura o nível da bebida já devia ter caido mais de 3/4, eu acho, e você, no sonho. eu sei que você é meio velho, mas você não acorda àquela hora que eu sei. entrei no carro, pra casa. e, também, eu já tinha comido; o pessoal todo andou até o café depois das cinco; pedi sanduíche, comi batatas chips. foi amanhecer comendo chips. manja amanhecer comendo chips? ainda bem que não fui aí mesmo. é que eu contaria sobre a volta do meu ridículo/anômalo sentimento em relação às meias azuis, lembra? pois é. lá dentro, na nada-calada da noite, talvez todos estivessem fora de si, ou pensando jazz, ou com vodka Natasha circulando pelo corpo. mas acontece que, não sei como, aquela mão se estendendeu de um jeito meio estranho, enconstou em mim, e eu peguei nas mãos de um jeito estranho também - nossos dedos meio entrelaçados, moles, molhados. e, depois, no escuro, no escuro da música e do calor e do suor, não sei o que houve direito, não me lembro bem - tudo lá e cá é quente e com névoa -, mas houve algo, alguma coisa, porque eu não esqueço da roupa de fim-de-semana e do pedido. que pedido? maldita Natasha.

15.4.07

domingo, 15 de abril

primeiro vem a parte burocrática do dia: levantar, lavar o rosto, tomar comprimido, escovar os dentes, torrar o pão, fazer café, ler a Folha, ler e-mails, orkutar, responder scraps, ver quem está online no MSN.

depois vem a parte realmente obrigatória e mais importante: fichar o livro Que é História?, terminar leituras, buscar por reportagens, começar - e terminar - o trabalho sobre objetividade X subjetivismo crítico.

e, no fim do dia, a parte mais simpática: fugir de casa por algumas horas, ver pessoas, comer pizza e assistir a algum filme (Maria, talvez) (essa "parte simpática" depende de pelo menos 60% da "parte obrigatória" cumprida).

ao trabalho!

13.4.07

a primeira dead-line

Estou no meio de um corre-corre e de uma gritaria: fechamento de edição (dead line, para os íntimos) do nosso jornal. Mesmo que de forma precária/amadora, a gente faz aqui na faculdade um jornal para a favela São Remo (que fica do lado da USP).

O corre-corre é do pessoal - editores e diagramadores, que tentam terminar tudo da forma mais rápida possível - e a gritaria é minha, um simples repórter cultural que já terminou seu serviço há dias e que grita para deixarem-no revisar algum texto.

(Eu simplesmente a-do-ro revisar textos. Não sei bem por quê.)

Enquanto isso, vão preenchendo uma tabelinha no quadro aqui do laboratório de redação com o que já foi feito e com o que falta acabar. Um dos veteranos riu disso ("que bonitinho!").

12.4.07

a vez que a gente se encosta

sabe, Constant, naquele feriado em que você me contou que tinha acordado zoado sem saber o motivo, eu senti um apertozinho, daqueles pontudos; e depois daquilo percebi que quem acordava zoado todo dia era eu. tem dia que você não quer tirar a cabeça do travesseiro, mas sempre tem a merda do relógio, do rádio, do sol, do celular, da voz de humano que te diz bem-vindo ao mundo real. e são nessas horas de mundo real que eu me sinto como você, Constant, que eu me sinto também como naquele conto do Caio Fernando Abreu, em que a eu/você tá parada no bar enquanto a vida roda feito uma roda-gigante em que tem que ter senha pra entrar; e a gente fica sempe do lado de fora, Constant, a gente nunca consegue senha.

às vezes eu me pergunto por que todo dia não pode ser segunda de madrugada e depois me pergunto de novo por que todo dia não pode ser segunda de madrugarda com cinema aberto e vazio. passaria algum filme em preto-e-branco-e-cinza, com só eu na sala, engolido por aquele exército de bancos almofadados que já sentiram todas as bundas desse mundo. eu não queria todas as bundas do mundo. depois do filme eu desceria por aquelas ruas cheias de prédios só pra ver se em alguma daquelas janelas todas alguém está acordado. depois de filme preto-e-branco-e-cinza eu fico feliz, sabe, é meio que um remedinho temporário que faz eu procurar janelas, querer bater na porta, pedir um café, dizer "oi-tudo-bom-como-vai-vamos-ver-tv". é assim, Constant, é assim mesmo. você pode vir comigo no próximo filme; acho que você é o único que eu consigo ver nos dias de merda em que a vida parece um filme colorido-cheio-de-efeito-especial, tão enganadora que esconde o todo massante e tedioso. Constant, assim a gente fica vendo a roda-gigante girar. e quem sabe a gente vê um preto-e-branco-e-cinza depois e toma café na padaria.

10.4.07

nada de chopp

Maçã diz: e quero conhecer caras bonitos, malhados, charmosos e de barriga de quadradinho

7.4.07

Um post escrito com bastante sono, leite condensado e poesia

Quinta-feira pré-feriado, noite fria. Desço à pé a Rua Augusta. Paro em uma pequena lanchonete com o intuito engolir alguma coisa (que no momento chamei de janta) enquanto esperava amigos passarem de carro para irmos juntos ao cinema. Corte de alguns minutos. Estamos no momento em que perdemos as sessões e descobrimos que todos os cinemas da região estão fechados naquelas horas altas. Continuando de maneira menos cinematográfica, ficamos vindo de cá pra lá, dali pr'aqui e depois pra lá de novo, andando, conversando e só.

Quiseram comer; paramos em um boteco/padaria/pizzaria - não me peçam definições. As meninas pediram sanduíches, o menino pediu fritas e eu uma vitamina (estávamos em 4). Conversas animadas e bocejos finais depois, quando o garçom jogou a conta na mesa como um eufemismo para a frase "é hora de dar tchau", resolvemos improvisar aquela brincadeira feita em datas cristãs, cuja versão pascoalina é denominada "amigo-chocolate". Pegou-se, então, pedaços de papel (usado como toalha americana) e uma caneta na bolsa de uma das meninas. Sorteou-se. A revelação será neste sábado pré-Páscoa.

Acho essas brincadeiras de "amigo-alguma-coisa" muito idiotinhas, mas participo só pra ser idiotinha de vez em quando. Mas me adaptei. Em vez de barras de chocolate (coisa que eu não vejo graça e acho sem sal) (ok, sem sal é mesmo), pedi DUAS RECEITAS DE BRIGADEIRO DE COLHER EM TEXTURA AGRADÁVEL AO MEU PALADAR. Exigi que não se raspasse a panela, pois, para quem não sabe, a raspa do fundo da panela do brigadeiro é aquela coisinha que gruda na parte de trás do seu dente e você precisa passar horas exercitando a língua para, precariamente, tirar o naco açucarado.

E, bem, espero que o brigadeiro não seja o industrializado Moça Fiesta! Não há nada mais anti-poético que Moça Fiesta! Não há nada mais anti-poético que Moça Fiesta, Bolo Pullman, Toddynho e Suco Del-Valle! Isso foi até tema de redação de vestibulares! Não desse jeito, mas quase! E eu, como sou um pró-poético, gosto de brigadeiros feitos em cozinhas de azulejos singelos, cheias de toalhinhas e com um filtro de barro! Mais poético ainda é se o doce for comido direto da panela em uma tarde de chuva assistindo a algum filme sessão-da-tarde! Mas, enfim, acho que a poesia toda não poderá se deslocar para o lugar onde será realizada a revelação do nosso amigo-chocolate. No máximo uns 60% da força poética, porque querem que seja em um estabelecimento cujo nome é Goró. (Mas, como cidadão que luta pela poesia, tenho esperanças da escolha de uma casa com cozinha que tenha filtro de barro e com vários dvds-sessão-da-tarde na sala!).

6.4.07

tipo 'in the search of sunrise' ou horário de rush

eu gosto assim, quando o sol nem é sol direito e fica todo cor-de-terra-alaranjada, manchando os prédios todos, manchando meu braço, meu rosto e o gramado, que enche de poças de luz e sombra, tipo pingo de tinta no papel. se esse sol manchasse você, acho que essa seria a cena que eu guardaria na minha cabeça, tipo uma foto digital que não dá pra rasgar. eu gosto assim, quando as pessoas quase todas já foram embora na hora que o sol nem é sol direito e as luzes de onde a gente passa as manhãs (eu de um lado, você do outro de outro) ficam indecisas.

eu caminho, vejo o sol difuso, as pessoas manchadas e as luzes acesas e apagadas. assim é quando o povo todo tá na rua, tá no carro, carros de faróis indecisos também. e seria mais legal se todo mundo - ou quase todo mundo - tivesse mergulhado no petróleo lá das ruas e a gente embaixo das luzes indecisas e do sol que nem é sol, juntos em algum lugar do nosso lugar de todas as manhãs, na hora em que as instituições querem fechar as portas, bater o cartão, pegar o ônibus pra casa.

tá, eu sei que você foi embora, mas mesmo assim fico te procurando; e peço um café, é barato, cinqüenta centavos. eu caminho e acalmo os passos, olho, e olho, e olho, e olho e ouço Corinne Balley Rae. tem folha seca no chão já, e eu caminho mais.

1.4.07

para Angélica

encontrei-a entre tantos outros, entre muitos diferentes outros; você num canto, como quem não quer coisa nenhuma. toquei-a, folheei suas páginas, vasculhei-a toda, deixei minhas marcas e que os outros a vissem uma vez; “é a tua cara”. e foi assim, vi-a inteira de novo, e de novo, e de novo. mas o tempo explode, e tive de deixá-la. deixei você com todos os outros, com todos os diferentes outros. e não olhei. nem virei.

mas voltei, eu voltei. corri atrás, pensei certo, pensei forte, caminhei por tantas ruas só para pensar e mais pensar. e pensei. e voltei. mas você não estava. procurei com os outros, tentei gostar dos outros, tentei pertencer aos outros, tentei me fundir aos outros, mas não eram. não, não eram.

comecei então a buscá-la em quase tudo, em tudo quase Google Earth. nadando em ventos sujos, conhecendo poças novas, adentrando atmosferas perfumadas, e em shoppings, em lojas de conveniência, em livrarias de bairros abastados e de vilas litorâneas tentei reencontrá-la. onde está? nem que seja pela verdadeira, nem que seja pelo samba, por seu janeiro, por seu fevereiro, por aqueles seus antigos onze anos.

vou, vou, sim, acordar cedo, ligar a cafeteira, torrar o pão, sentar, sentar à mesa. mas, não, nada.