20.2.08

center três

longe da xícara de chá, a garoa fina brigava tanto com o vento que as gotas – se é que elas podem assim ser chamadas – voavam de forma desordenada até o pouso.

o garoto, cujo nome desconheço (e por isso utilizarei a letra "d" para substituí-lo), caminhava. d., portanto, caminhava.

d. era enquadrado por uma câmera de diretor cultuado denominado "alternativo". d. era enquadrado pelas costas enquanto caminhava sob as gotas desordenadas. e o espectador assistia àquele todo cinzento ao som de elliot smith.

d. sentia frio e não parava de andar.

15.2.08

ano bissexto

impossível foi dormir naquela primeira noite de ausência. pretensão foi a minha imaginar que no desligar do televisor meus olhos fossem se fechar até que toda aquela fumaça estranha de dentro se dissipasse; pretensão foi a minha imaginar que aquela pedra, daquelas achadas na beira da estrada, fosse ainda só uma pedra, como em estações anteriores, porque uma pedra é uma pedra, uma baleia, um pirulito colorido, um edifício em contrução, e, por mais que eu quisesse esconder, a pedra era o que não me deixava dormir, era a pílula que segurava minhas pálpebras e mergulhava no meu cérebro, porque, já que as pessoas afinam e desafinam, a pedra já não era mais a mesma pedra, eu já não era mais o mesmo eu, e o que a pedra era para mim, por mais que a pedra já não era a mesma pedra, era aquilo que me mergulhava – e como eu queria que as coisas fossem só as coisas e que as interpretrações fossem únicas, só umas, verdadeiras, teológicas, como tudo seria mais fácil!, eu conseguiria dormir. então eu tentei pensar em areia da praia, chapéu de caubói, Nordeste, Rosa, ti, pele, pêlo, cílio, ti, então me levantei, tentei pensar em tudo que não fosse a pedra, que agora chamo de ti, e fui ao banheiro, dei a descarga, me olhei, me toquei, e, de novo na cama, Paris, Londres, Belém do Pará e ti, com sofá, parede azul e edredom. abri a geladeira, biscoito, leite, pão de forma, me veio ti mesmo com Althusser e Bial na cabeça; mais ti e cabelos, sabonete, jeans. liguei o rádio e ouvi a mesma música inglesa três, quatro, cinco vezes, de ouvido decifrava e tudo era pedra – ou ti –, e eu voltei à cama e era uma cama de pedras quentes e me fazia escrever um roteiro mental, pedra sobre pedra, eu me transmutava, me guardava em uma ampulheta, e as areias escoavam, o tempo passava, e eu, como areia, já mesmo ainda areia, era outro, e a pedra, apesar de também transmutada em areia, já não era mais a mesma, e, no escoar do tempo, o reencontro, e nós já não éramos os mesmos – afinamos de desafinamos, lembra? – e a gente, junto, para o sem-fim, porque o universo de fora já não mais existia para virar a ampulheta, e, lá no fundo, os dois grãos, de certa forma, se entenderiam e as fumaças iriam embora, os sentimentos se fundiriam e, talvez, se o universo voltasse e virasse a ampulheta, os dois grãos estariam unidos e talvez nem percebessem que, antes, um era pedra e outro não dormia pela pedra. ou por ti, 'cê sabe.

14.2.08

cafés-da-manhã em 2006

em 2006, nos dias de semana, eu tomava o café no carro, no meu trajeto de cidade-dormitório ao centro metropolitano. dava pra dormir mais.

assim, o lixinho típico de carro (aquela sacolinha ínfima doada nos lava-rápido) dava lugar à uma sacola de supermercado, que exercia mais uma de suas múltiplas funções. às sextas, ela ficava bem gorda: era papel alumínio, embalagem de iogurte, restos e cascas.

quando tinha alguma fruta em estado mais deprimente, como uma casca de banana preta e melada, eu embrulhava em jornal e levava até os outros lixos. escolhia algum caderno que eu não fosse ler, tipo o de classificados, e levava o detrito assim, protegido (mãos protegidas, na verdade).

na página de esportes eu não embrulhava, não. sempre tinha um garoto ou outro que usava boné e sempre me pedia pra ler. além disso, sempre me vem aquela esperança de que algum dia eu me torne um corinthiano roxo.


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vez ou outra, eu tentava levar café no carro em grandes copos plásticos. o automóvel balançava, e não era muito legal: às vezes a bebida derramava e/ou me queimava a língua. café era melhor tomar no primeiro ou no segundo intervalo das aulas, com leite.

e foi em 2006 que comecei a beber café.

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tinha vezes que eu acordava tão atrasado que saía correndo e esquecia o sanduíche, feito na noite anterior, no frio da geladeira. outras, eu dormia tão tarde por ficar num fazer-nada na internet que nem sanduíche deixava pronto. então eu ia sem nada na barriga, ouvindo música ou cantando, e comprava alguma porcaria quando chegava. tinha uns salgados de um real, ou também umas coisas mais caras (nem por isso mais gostosa) que eu comia com suco de laranja.

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no dia do meu aniversário, 6 de setembro de 2006, eu acabei batendo o carro. coisa leve, pura distração. já tinha me atrasado tanto que resolvi me atrasar mais. parei numa padaria famosa com a minha irmã (que, às vezes, ia comigo no carro).

em padarias prefiro as tortas de frango ao pão com manteiga. naquele dia, não lembro o que comi, lembro apenas que não foi nada de mais.

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era assim em 2006. a não ser nas férias, nas férias todas da minha vida, quando os cafés da manhã são quase inexistentes, a não ser num dia ou outro em que eu acordo cedo ou na praia. praia tem cara de café da manhã.