11.12.08

à esquerda

se pudesse, encaixotaria a memória e mandaria embora. como não há fotos, cartas ou presentes, a memória. se pouco restou daquilo de pegar, isso veste significado novo. memória, não. apagá-la é extirpar parte da vida, é tirar pedaço da linha do tempo, apagar mil parágrafos da biografia.

declaração

eu respondi: foi no carro, conversando, na esquina da rua dos pinheiros com a pedroso. timidez.

quando a mulher maravilha me beijou, eu tomei banho na vó e não molhei o rosto. no dia seguinte, eu andei pelas roupas do largo de pinheiros, e minha tia perguntou o que era aquela marca.

amanhã, nas ruas de não sei onde, não vai ter gente perguntando o que foi a marca. porque as marcas estão nos dedos, eu não vou lavar os dedos, e ninguém vê os dedos, porque é o mesmo perfume que eu elogio, que eu sempre elogiei, e eu nem sou de elogiar. nos últimos dias, duas pessoas de extremos opostos disseram que gostam quando elogio, porque, quando não gosto, não gosto mesmo.

é, eu sei que tinha que falar mais 'que bonito' ou 'como gosto', não que tudo isso seja elogio, e não que não seja verdade, e nem sei por que eu não falo. talvez por medo de alguma coisa. mas, se lesse isso, você saberia, eu gosto do perfume, vou dormir com ele, não sei o que será dele amanhã, nem de mim amanhã, mas o perfume dorme comigo.

você dorme comigo todas as noites, mesmo que a duas universidades daqui, mesmo que distante feito sonho, mesmo que sem presença de ficar com perfume no dedo, e às vezes eu tenho o pensamento feio de que a vida deveria ser de longe, que o amor deveria ser só de um, sem mais nada.

talvez seja mais fácil. com perfume ou sem perfume, é difícil, deixo de ser o que pareço, mas eu queria. queria conseguir não escrever cartas e fingir que nada é assim. porque fazia nove anos que eu não levantava pensando em alguém,e que meus pensamento não se dirigiam o dia todo a alguém. talvez o orgulho até então não deixasse que outro me ocupasse que não fosse eu. e talvez chegou a hora de entregar os pontos. de dizer para deixar a vida. deixa ela.

como se tudo pudesse ser numa bolha, eu numa bolha esperando, nada além que importasse, só você vir e ganhar remédio, cama, banho. porque não teria que ter um roteiro já estabelecido que ainda não sei direito como cumprir, e que você deve saber bem. talvez porque a bolha fosse como um filme sem pé nem cabeça, e nos entenderíamos, você entende de lá e cá. mas é difícil.

dói um pouco a matemática e de saber de como gosta da matemática. dói pensar que para tudo dar certo tem que ser assim, ou dói pensar que talvez ser assim é o certo que talvez seja o não certo. dói pensar nisso tudo e não poder contar os pêlos, as pintas e quantos passos são dados do café ao nosso lugar, os muitos lugares de sentar e deixar a vida. e digo sempre, é, deixa a vida. deixa, deixa. não de ir, mas de ficar, mas ficar não preso, pro vento.

24.11.08

Senado Federal aprova... William

Foi aprovado no Senado o projeto de lei que impede que duas pessoas utilizem um mesmo perfume. Se poder William tivesse, exigiria: peles devem ter cheiros diferentes; o uso de cheiros artificiais devem ser exclusivos. Na última segunda-feira (22), W.D.S. percebeu um corpo mover-se atrás de si. Veio o aroma de braços e pernas com lençóis, noites quentes sob prédios, ventanias. "É o mesmo produto que vai me perseguir pelos anos", afirma. Porque o produto usado foi o mesmo, sabe. William, portanto, gostaria que eles, os produtos, fossem expurgados, para alimentar a ilusão de que se pode arrancar as linhas do pensamento em que uma pessoa está presa, uma pessoa presa nos fios de outra; arrancado este naco, um buraco ficaria na linha do tempo, seria o trecho censurado da biografia autorizada, sobretudo se ele se desse ao luxo de realizar a loucura de comprar o mesmo produto e, com ele, passar a viver, da mesma maneira que fez com jaquetas. "Quando o pensador me chegou, eu o cheirei", revelou. E o trecho censurado, de novo, lhe veio. William perguntou ao assessor quanto tempo o cheiro do produto demoraria para se dissipar, ao que não houve resposta. "Posso caminhar sem estar em estado de sítio?", questiona.

21.11.08

Ali, o piano acalentava. Era céu cor cinza, sangue nas costas, dor, mas o piano acalentava. E o desejo era que a cabeça também sangrasse, que dela saísse tudo que estava empilhado, entalado, entupido, estocado, e ela crescia, e crescia mais que qualquer outra parte do corpo, enquanto o piano acalentando.

O suposto era que uma aula acontecia, posto que, vez ou outra, alguma tecla era pressionada de maneira equivocada, e isso irritava a cabeça que crescia. E crescia.

Era dor necessária. Era preciso que doesse, porque senão não teria como alinhar e limpar. Então a escolha era doer ou alinhar, limpar ou deixar apodrecer. O piano.

Na noite de ontem, não houve piano. Não era o atemporal ou o que lembra um passado que não existe, mas foi um corpo que existia, inclusive, antes de existir em um formato não-corpo em mim, ou na cabeça que crescia.

Quando se surge de outro modo, não-corpo, é mais difíci. Imagina-se, constrói-se, destrói-se, se vê que é outro um que vem, vai, fica, parece que fica para sempre, e nem sei se é bem assim, porque nunca foi antes, nunca será depois e não há como saber o que tinha que ter.

Foram fios de fones de ouvido - brancos - que atrapalharam. E não fui eu que me aproximei. Era um pouco úmido, os fios atrás também úmidos, com espírito da competição consigo mesmo sobre o negro. E o inodoro.